Por que xingamentos são sempre pejorativos às mulheres?

Por que xingamentos são sempre pejorativos às mulheres?

Dia desses um homem, parecia ter por volta dos 30 anos, estava dirigindo de forma espaçosa. Não ficava na pista dele com sua caminhonete grande na sua área de deslocamento delimitada por listras pintadas. Buzinei, de leve, um toquezinho, para ele perceber. Mas geralmente homens não lidam bem com buzina. Ainda mais sendo direcionadas a eles por uma mulher ao volante. Ele jogou-se ainda mais para a minha pista. Buzinei, de novo, e fiz o sinal para ele para atentar para a pista, para o limite. Pronto! O homem enraiveceu. Trocou de pista, passou por mim e lá veio: VAGABUNDA! Eu, insana, emparelhei o carro, baixei o vidro e respondi: TU NÃO TEM MÃE, NÉ?! 

Fiquei furiosa alguns segundos. Não com o imbecil, afinal, isso é o padrão. Torto, deplorável, mas padrão. Fiquei furiosa comigo. Por que respondi? E se o doido está armado? E se resolve reagir com mais violência? Pior! Eu recém tinha saído da terapia e estava feliz da vida comigo. Decepção total comigo por alguns minutos. 

Dias depois, ouvindo e lendo coisas sobre o BBB 24, percebi que mulher que fala palavrão é condenada. O homem não, eles usam interjeição. Muitos outros exemplos foram surgindo dessa imensa diferença entre o tratamento dado aos homens e às mulheres nas mesmas situações. Voltei ao meu episódio do trânsito e me perguntei: como os homens são xingados? Como as mulheres são xingadas?

Mulher é vagabunda, puta, vadia. Homem é corno. Mulher é louca, histérica. Homem é viado. Ou seja, a mulher é xingada e valorada. O homem não: corno significa que a mulher dele traiu o coitado, ou seja, não é bem um xingamento, mas imposição de vergonha; se chama de viado, tá violentado a honra, a masculinidade, mas sob um olhar hierárquico: para ser bom precisa ser macho hétero. 

Já a mulher, quando xingada, é profundo. Vagabunda, piranha, puta. Pior, louca. Quando o homem chama a mulher de louca numa discussão, ele usa uma ferramenta mortal na comunicação: ele cola nela uma característica que inviabiliza tudo o mais que ela for dizer. Se é louca, nada do que fala tem sentido e deve ser ouvido. Vocês percebem a brutal diferença? 

Por que homens e mulheres não são xingados da mesma forma? Por que o xingamento direcionado ao homem é mais ameno e envolve terceiros (mulheres de sua vida: mãe, namorada, esposa…)? Por que o xingamento direcionado à mulher é íntimo, é pessoal, é invasivo, é incapacitante? 

Você pode não ser uma feminista dentro do que alguns grupos tentaram definir como feminismo. Esqueça o radicalismo. E pense nas coisas do dia a dia. Compare. Se você achar que tudo bem, que está tudo igual, ok. O machismo estrutural é isso: ele normaliza tudo. Loucas são aquelas que ousam discordar, questionar ou apenas pensar sobre o machismo. 

Prefiro ser louca. Porque esse conceito de histeria e loucura que é imposto às mulheres que questionam o machismo estrutural só faz confirmar tudo o que já sabemos e dizemos.  

Mas a culpa é das mães que criam filhos machistas. É… a culpa é sempre das mulheres. Já parou para pensar nisso? 

Por Flávia Moreira, jornalista