silenciocronica-mariana-bertolucci

Foto: Heloisa Medeiros

Eu falo pelos cotovelos. Ando melhor, mas sempre foi assim. Lembro, desde muito pequena, de ouvir, especialmente do meu pai: “Calma, fala mais devagar, minha filha”; “Tu não consegue ficar quieta?”; “Pensa antes de falar, por favor”; “Tá rouca de novo?”; “Fala baixo”; “Temos dois ouvidos para ouvir e uma boca para falar”… Que saco era ter que ouvir sempre a mesma coisa!!!!! Até hoje, pois o meu incansável pai nunca desistiu de repetir aquilo, que na sábia (e também milenar) opinião dele, dispersava a minha energia sem nenhum motivo relevante a não ser o hábito de falar sem parar.

Então, desde pequena até hoje, ele nunca deixou de me chamar a atenção quando eu estava com a matraca solta em casa (ou seja, quase sempre). Claro que, no meio da conversa toda, também saem coisas boas e legais para as pessoas que convivo ou para o motorista do aplicativo. Ou eu seria aquelas espalha-rodas, e a essa altura do campeonato, infelizmente, já teria me dado conta disso — mas não é bem essa a questão.   

Até ontem, achava que essa insistência era implicância dele, que gostaria que eu fosse mais reservada, de um jeito que, na minha cabeça, não combinava com o meu temperamento mais “espontâneo” — e até mesmo com a carreira que escolhi. Eu brincava que seria quietinha, como o pai queria, só se nascesse de novo.

Nos dias que passamos juntos na praia no fim do ano não foi diferente, e ele, depois de uma caminhada longa comigo e já em casa (entenda também os motivos dele, kkk), me olhou e disse: “Meu Deus do céu, como tu falas. Eu não consigo mais ouvir a tua voz”. Agora, escrevendo para contar isso para vocês, não faço ideia sobre qual assunto eu tinha alguma tese. Conforme ele, se esquecemos o que íamos falar, é porque não era importante. Esqueci, e não deveria mesmo ser nada importante. Mesmo lendo sobre o assunto e praticando todos os dias Yoga, me achando toda evoluída e zen, repeti o padrão da filhinha mimada, reclamando que ele estava pegando no meu pé e, se não podia ouvir mais a minha voz, então não falaria mais com ele e blá, blá, blá…

Eu enchia, então, os ouvidos de quem estivesse por perto, resmungando que eu não ia mudar, que adorava conversar com as pessoas — que, afinal, isso era troca de experiências para mim, e só aprende quem troca —, o diálogo é a solução… E haja cordas vocais para dar conta de tanto palpite bem intencionado, ainda que um pouco furado e repetitivo. Óbvio que se relacionar e conversar com as pessoas é bacana e construtivo sempre e para quase tudo na vida (entender e vivenciar isso também é uma sabedoria), mas é preciso saber pausar a mente e escolher melhor as palavras.

Eu sei, ando monotemática… Me explico, sem justificar: é que a formação para professores e para quem deseja aprofundamento do Yoga que estou fazendo está abrindo, com uma única e eficiente chave-mestra, portas que eu nunca imaginei que estavam tão latentes e urgentes dentro da minha frágil “casinha interior”.

Então, dias depois da temporada em família na praia, Pedro Franco, que é um dos professores e sócio-fundador da Premananda Yoga School, ao lado da gaúcha Renata Mozzini, nos explicou sobre a importância do silêncio, que em sânscrito é o Mauna. Só conseguimos de verdade enxergar com clareza o outro e nós mesmos se fizermos silêncio.

O silêncio potencializa a transformação interna

O tema surgiu relacionado à prática poderosíssima da meditação. Devemos praticar, avaliar e perceber a importância do Mauna o tempo inteiro na nossa vida. Silêncio traz clareza; Diarreia verborrágica dispersa esse poder: “Segurar a fala faz com que a força das palavras tenha ainda mais poder. O silêncio potencializa a transformação interna. Usamos menos o cérebro (e ele, inclusive, atrofia — já está provado), porque usamos muito a boca”, nos dizia o Pedro, pausadamente, enquanto o filmezinho da minha vida tagarela passava a milhão dentro de mim.

Pensei na história que ouvi de uma amiga, que outra amiga dela fora à Índia há pouco e ficou 15 dias em silêncio — sem celular, apenas meditando e fazendo Yoga, até que voltou transformada!

Por isso a escrita tanto me alivia e me dá um prazer quase de cura, porque consigo, com mais calma e menos pressa e euforia, encontrar a responsabilidade e a potência com mais tempo e mais organização das ideias, com a exata noção e peso daquilo que desejo dizer para as pessoas e para o mundo.

“Firme como uma rocha, leve como uma pluma”, nos repetia o professor durante a prática. Não deveria ser assim em tudo na vida?! Nas palavras, nos atos, nos diálogos, nos relacionamentos todos…  

Pai,
Sem palavras para te agradecer!

“Quando nada parece dar certo, vou ver o cortador de pedras martelando sua rocha, talvez 100 vezes, sem que uma única rachadura apareça. Mas, na centésima primeira martelada, a pedra se abrirá em duas, e eu saberei que não foi aquela que conseguiu isso, mas todas as que vieram antes”.
— Jacob Riis, fotógrafo de documentário social norte-americano (1849-1914).

Por Mariana Bertolucci

  1. Adriane Casagrande says:

    Que texto lindo!!! Ri sozinha, mas também me emocionei imaginando não só a caminhada na praia, mas a vida toda acompanhada pelo teu pai querido, que benção… Também falo falo falo sem parar mas curto mesmo meus momentos em silêncio, conversando comigo mesma.
    Beijo grande!!!
    iei

  2. Greice says:

    Texto lindo!! Silêncio X tagarelar…o desafio é buscar o equilibrio! Não precisa deixar de tagarelar, opinar, conversar com o taxista, essa é vc!❤️

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.