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Casamento quase perfeito: a vida, olhares e percepções de uma brasileira dona de casa na capital francesa

Torre Eiffel, em Parias, a capital francesa

Foi à primeira vista meu amor por Paris (o de alguém não?!), e lá se vão quase vinte anos! Morar não é igual a passar férias. Cair na realidade de uma cidade estrangeira, seja ela qual for, não é algo fácil.

Costumes, tradições, língua, comportamento. Tudo é diferente. Depois de chegar de mala e cuia, comecei a me perguntar e a fazer comparações que, antes de ser uma cidadã da cidade-luz, não me passavam pela cabeça.

Saudades do Seu Zé!

Levei tempo para entender pequenas coisas do cotidiano. Por que eu tenho que empacotar tudo no mercado e levar minhas próprias sacolas? Cadê o Seu Zé − porteiro do meu prédio no Brasil − para me ajudar a colocar tudo no elevador? Onde estão os frentistas? Os postos de gasolina são todos self-service. Atrapalhada, eu me esforço, mas faço tudo errado e ainda fico impregnada do cheirinho de combustível. Por isso deixo o carro na garagem (quem precisa dele aqui?).

Apesar de o transporte público funcionar bem e servir a todos, ainda existem mais carros do que a cidade comporta, o que gera engarrafamentos sem fim! Conseguir uma vaga é uma odisseia. Os estacionamentos privados não são baratos, mas estão sempre lotados. Não aconselho nenhum turista a se estressar tentando mostrar seu lado piloto por estas bandas. Viva o ônibus, o metrô e as minhas perninhas!

Quem não corre voa

Logo que cheguei, assustava-me vendo a multidão correndo pelas ruas e metrôs. Aconteceu algo? Estão fugindo do quê? Tinha a imagem de que os parisienses “flutuavam” em câmera lenta em um cenário de sonhos, ao som de La Vie em Rose, como nos filmes. O cenário existe, mas os personagens parecem não ligar muito para o lugar onde estão.

O mais lento dos cidadãos, sempre eu, não caminha, voa. Por que não saem antes de casa?! O pior é que quem passeia corre o risco de ser levado adiante pelos “maratonistas do cotidiano”, mas, é claro, o encontrão é sempre seguido de educado “pardon”.

Onde o glamour acaba

Os parisienses fumam, e muito! Tanto que, em certas ocasiões, os (raros) não fumantes são vistos como seres de outro planeta. Começam na adolescência e não parecem se preocupar em deixar o vício. As sarjetas e cantos das calçadas são “decorados” com milhões de baganas, dando trabalho para os carrinhos que aspiram o lixo o dia inteiro. Socorro, onde está o glamour nisso?

Os porquês

Por que eu não posso chamar o garçom no restaurante e tenho que esperar que ele venha me atender? Por que tenho que dizer para o taxista aonde vou antes de entrar no táxi e ver se ele está disposto a me levar? Por que as pessoas beijam do outro lado do rosto (sim, o primeiro beijinho é sempre pelo lado direito)? Por que as máquinas de lavar e secar roupas ficam no banheiro? Como viver sem área de serviço? Por que os prédios não têm salões de festas?

Por que nos aniversários das crianças os pais não são convidados, e ninguém bate palmas na hora de cantar os parabéns? Por que dizem que o baguete não engorda, e o presunto é vendido por fatias? Por que boa parte das casas e apartamentos não tem lâmpadas no teto? Por que ninguém tira a cutícula? Com o tempo fui me dando conta de que, entre essas diferenças, havia “manias” incríveis que eu aproveitaria para minha nova vida na terra de Napoleão.

Fazer feira

Incorporei o hábito de ir à feira (aqui chamada de marché), ao menos uma vez por semana, como todo francês que se preze. O shopping a céu aberto é o máximo! Todo bairro tem a sua, e elas são enormes! E você não vai encontrar por lá só frutas e verduras de encher os olhos. Nos marchés franceses tem de tudo. O peixe mais exótico, queijos de todos os tipos, roupas, casacos de pele, alfinetes, bijuterias, cosméticos e até tapetes.

Da dona de casa mais comum, como eu, à mais célebre atriz de cinema, como Catherine Deneuve, todas somos “colegas de xepa”!

Savoir-faire

Para mim, a simplicidade, a praticidade e o savoir-faire franceses são difíceis de aprender. Talvez o famoso glamour desse povo venha daí, do jeito simples e descomplicado de encarar a vida.

Anfitriãs francesas não se estressam. Jamais! Se não deu tempo de organizar a casa ou fazer tudo perfeito, não é grave. O importante é o bom papo, a reunião entre as pessoas e, é claro, um bom vinho nacional. O mesmo serve para o estilo de se vestirem — principalmente as mulheres.

É difícil reproduzir a elegância delas, porque já nascem com esse opcional de fábrica. Prendem o cabelo num coque de qualquer jeito, penduram a bolsa de alças curtas no antebraço, jogam uma camisa branca no corpo, um lenço e o anel cheio de pedras que foi da tataravó, e pronto! Ficam chiquérrimas sem parecer que fizeram o mínimo esforço. Um dia chego lá!

Sem falsa modéstia, acho que meu colorido tropical também agrada por aqui. Mesmo depois de anos e totalmente habituée, com marido e filhas franceses, meu cargo de estrangeira será vitalício, o que não sinto que me coloca em desvantagem.

Por Lou Michel

CategoriasBá, que Lugar
  1. Cris says:

    Ahh… como é gostoso viajar por Paris, conhecer os costumes, pela tua lente, Lu Michel! Uma crônica tipo: comecei a ler…hahaha, o quê, como assim, já acabou?! Adoooro! Só pela próxima.

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