Lembro como se fosse ontem da nossa primeira aventura. Pula para o final dos anos 1980, lado a lado, em um avião da Vasp (manja o tempo que isso faz). Era a minha primeira viagem de avião sem os pais. Só tinha ido de excursão para Disney. Pelos 17 ou 18 anos, eu, a Luciana Brites e mais duas bailarinas de Porto Alegre fomos selecionadas pela estilista e arquiteta gaúcha Daniela Adams para participar de uma performance de dança e moda no evento Modos da Moda, que comemorou os 100 anos de Moda no Brasil.
Ensaiamos algum tempo e embarcamos. A turbina do avião estragou, e ficamos estacionadas no aeroporto algumas horas. Quando o piloto anunciou a turbina consertada, me deu um arrepio na espinha. A minha expectativa era a de embarcar em outro avião. Tinha pouca idade e ainda menos voos no currículo, mas imaginar que voaria em um avião com a turbina recém-consertada não me empolgou nem um pouco e causou, inclusive, certo pânico. Já a Lu não queria perder tempo trocando de avião. Ela sentiu o meu pavor e, com um sorriso esperto e acolhedor no rosto, pegou com suas duas mãos uma das minhas e disse: “eu te falei que ia dar certo. Nós vamos juntas e vai ser divertido”.
Voamos, pousamos e dançamos, pela primeira vez na vida, em São Paulo. Dividimos o quarto nas poucas noites em ficamos por lá para apresentar o nosso, digamos assim, “primeiro trabalho”. A Lu saiu sozinha para encontrar uns amigos e eu fiquei no hotel. Quando ela voltou, eu ainda estava acordada. Ela me olhou com toda a vida pela frente que um olhar pode conter e disse empolgada: “eu vou sair de Porto Alegre para dançar. Vou conhecer outros lugares e dançar”.
Naquele instante, há quase 30 anos, e desde aquele tempo, entendi o peso e a importância que tinha admirar outra mulher nas nossas vidas. Afinal também era tudo o que eu queria da vida: dançar e conhecer o mundo. O quanto os sentimentos (e também os sofrimentos) comuns são capazes de nos unir enquanto meninas e mulheres que fomos e somos.
A Lu saiu de Porto Alegre aos 19 anos para ser bailarina e conhecer outros lugares, e foi exatamente isso que ela fez. Estreou rápida e bombasticamente na trupe do Fausto Fawcett, passou alguns anos pelas geniais e rígidas mãos da coreógrafa Deborah Colker em um dos auges da sua companhia homônima, estudou na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, atuando em diversos espetáculos como bailarina, coreógrafa, diretora, atriz e preparadora de artistas.
Voltamos a nos ver, dançamos e também rimos bastante em uma noitada para lá de divertida no final dos anos 90 ou início dos 2000, em São Paulo. Nos cruzamos poucas vezes na vida depois disso. Uma delas foi no calçadão de Ipanema, no Rio: eu corria para um lado e ela vinha de bici do outro. Foram instantes. Nos abraçamos felizes, contamos sobre a Antônia e a Miranda e prometemos tentar nos vermos mais nessa vida.
Foi a dança, as nossas profissões que cruzaram novamente nossos caminhos. Desta vez para sempre! Pelo o que a sua trajetória de mulher livre, corajosa, generosa e cheia de verdade significava para mim, decidi contar a história da Lu na capa da quinta edição da Revista Bá (que você pode ler aqui). Depois de tantas paixões, amigas e até um ex-namorado em comum, e de escrever, cheia de orgulho e admiração, a história da Lu na Bá, parece que o carinho recíproco que sempre existiu entre nós ganhou asas potentes, de beleza e poder quase infinitos e infalíveis.
Passados alguns anos, ela me pegou de novo pela mão e me apresentou com todo seu amor e dedicação o Yoga e os seus novos sonhos. Foi natural e, mesmo à distância, uma emocionante vontade de nos ajudarmos nascia e fortalecia nossa relação — de empurrarmos uma o projeto da outra, do jeito que fosse possível fazer, como um instinto feminino. Cada pequena conquista era festejada em dupla — uma espécie de apoio irrestrito. Essa empatia que sinto com a Lu e com muitas (sim, sou uma abençoada) amigas e irmãs com as quais a vida me presenteou é o que hoje chamamos de sororidade.
A palavra não é bonita, mas o seu significado de aliança entre mulheres, baseado na empatia e no companheirismo, em busca de alcançar objetivos comuns, tem um poder transformador e curador na relação entre as mulheres.
Volto saudosa e satisfeita ao final dos anos 80 e, parafraseando a sapeca Lu no avião da Vasp, pego com as minhas duas mãos a de cada uma de vocês e repito: “nós vamos juntas e vai ser divertido”.
Me emociona o modo como
Vc escreve Mari !! Parabéns
Essa empatia de vibrar uma pela outra é uma sensação quase indescritível ,anjos q cruzam nosso caminho porque existe uma coisa q eu acredito muito,o querer o bem,a generosidade,ser o q a gnt é,atrai e é natural a recompensa,seres de luz!!!Acredito e adorei Mari ,bjos
Adorei a crônica. Viver é bem isso. A gente vai e vem, deixando rastros e marcas fortes de ir e afeto, tudo o que precisamos.
Que lindas vocês!
Quão bela pode ser a admiração e a parceria na vida de mulheres com mulheres! Crescimento mútuo e amor!
Mari como sempre um prazer ler ! Bjs e sucesso sempre, Adri