Fotos de Mário Leão
Na última quinta-feira, Porto Alegre recebeu a banda Liniker e os Caramelows, que trouxe o novo álbum, Goela Abaixo, lançado em março. Após quase dois anos em turnê com o álbum Remonta, a banda traz um novo estilo para os palcos. A novidade não é no tipo de música, mas sim no tipo de show.
Em 2015, a banda se tornou conhecida quando lançou suas três primeiras músicas, “Zero”, “Caeu” e “Louise do Brésil”. Não demorou muito para os vídeos no Youtube viralizarem e caírem no gosto do público. Passados quase 4 anos, a banda já viajou pelo Brasil e visitou mais de 20 países na Europa com a turnê do primeiro disco, o Remonta.
Agora, em 2019, eles iniciam a turnê de Goela Abaixo, que, com pouco mais de um mês, já possui mais de 4,8 milhões de ouvintes no Spotify, tendo a música “Calmô” como single, com mais de 1 milhão de plays apenas nela.
Um novo álbum, um novo estilo de show
Por Gicele Kreibich
Remonta e uma saudade
Quem já conhece a banda e teve a oportunidade presenciar algum show da turnê anterior sabe o quão eletrizante ele foi. De cima do palco, eles conseguiam retratar a energia de cada um dos integrantes. Além de músicas dançantes, ou com viradas muito marcadas, que saíam de uma melodia melancólica para algo empolgante, os integrantes interagiam entre si de várias formas, com coreografias, risadas internas e brincadeiras que envolviam o público.
Cada show da banda trazia algo diferente durante a turnê Remonta. Mesmo indo a dois shows até então “iguais”, eles tinham suas particularidades. As músicas eram tocadas e declamadas pela banda fazendo com que nem tudo fosse igual ao que escutávamos nas plataformas digitais. No entanto, a interação com o público era o ponto alto! Desde desfiles entre a platéia, ou até mesmo chamando as pessoas para o palco. Esses momentos faziam os fãs se sentirem parte de todo o espetáculo.
Mais amor próprio em um novo disco
Com Goela Abaixo, a ligação entre o público e banda fica mais limitada aos sentimentos transpassados pelas músicas e suas trocas de energia. O show é mais introspectivo. Liniker, apesar de brincar com a plateia e falar com seu público, canta as músicas como se fossem para si mesma — um ato de sentimentalismo interno que quem é fã consegue entender bem pelo o que ela transparece.
O novo álbum é muito reflexivo, principalmente para Liniker. O disco traz músicas escritas pela cantora e algumas parcerias, que agora não falam só de paixões que não deram certo, mas também de amor próprio. Elas exploram a relação amorosa que devemos ter com nós mesmos. Ela, mulher, negra e trans, trouxe muito mais do que relações amorosas em um único CD — conseguiu ter presente em suas músicas sua própria aceitação e o entendimento de quem ela é no momento em que vive.
Posicionamento político
Não é novidade que Liniker e os Caramelows sempre trouxeram de forma forte o posicionamento político deles. Com pensamentos alinhados à ideologia de esquerda, a banda defende forte o reconhecimento da população LGBTQ+, além do respeito e o fim do preconceito, seja ele qual for.
Liniker é uma mulher nova, apenas 23 anos e, hoje, já é considerada uma das principais vozes de diversos movimento representantes de minorias. Em entrevista à revista Marie Claire, uma de suas frases ganhou destaque: “ser uma mulher com um pau é revolucionário”. Com poucas palavras ela consegue transmitir tudo aquilo que representa. No Opinião, o show iniciou com a ideologia política sendo expressada através de um telão. Nele, frases contra o atual presidente brasileiro surgiam. Com isso, a plateia em apoio gritava e aplaudia. Além disso, ao finalizar o espetáculo, placas surgiram nas mãos dos artistas com os dizeres “funai inteira e não pela metade”, apresentando ser contra a diminuição de terras indígenas prevista na Medida Provisória (MP) nº 870, de 1º de janeiro de 2019.
Um show de amor, carinho e representatividade
Por Luísa Leão
Cheguei ao Bar Opinião com a expectativa de um espetáculo catártico. Não apenas por se tratar de um show de Liniker e os Caramelows, mas por fazer um tempo considerável que não presenciava um show tão importante, afinal, o soul music da banda já é muito bem conhecido no Brasil e no exterior.
Quando entrei no local, observei o público que chegava e se aproximava do palco aos poucos. O número considerável de negros e LGBTQ+ já me deixou confortável e com a certeza de estar no lugar certo e no momento certo.
Quem abriu os trabalhos no palco com uma mistura de soul, R&B e ritmos brasileiros foi o projeto SÔMA — Neto (voz), Nana (voz) e Gil (instrumentos) — que já colocou o público no mood perfeito para receber a atração principal da noite. Eu já estava emocionada, e Liniker ainda nem havia subido ao palco.
Logo após, conheci Alice Kranen, cantora jovem e dona de uma voz com presença, que mostrou todo seu potencial através de músicas autorais e covers de músicas pop. Notei os trejeitos de alguém que está no início de sua carreira, mas que já sabe o que quer.
Minutos antes de iniciar o show da Liniker e os Caramelows, eu estava ansiosa. Já sentia a energia do público que clamava pela entrada da cantora e seus músicos. Até que as luzes se apagam e o show se inicia com palavras de protesto nos telões contra o atual presidente, Jair Bolsonaro, e seus discursos racistas e machistas. Logo após, os Caramelows sobem ao palco se posicionando nos seus lugares e, por último, entra Liniker.
Nesse início, já pude observar que a estética do show era guiada pela identidade visual do álbum Goela Abaixo. Todos os músicos estavam vestindo cores quentes, tons que são predominantes na comunicação da banda atualmente. No telão, planos detalhe somados com recortes de imagens e ilustrações ajudavam a criar uma atmosfera intimista e quente conforme as músicas que eram tocadas.
“Tem calma, tem jeito, tem também
O coração tranquilo, coração de alguém
De alguém.”
(Calmô)
O Goela Abaixo fala sobre amor, sobre carinho, sobre relacionamentos intensos e amor próprio através da visão pessoal de Liniker e, dessa forma, o espetáculo foi emocionalmente catártico! A performance da banda foi mais introspectiva através de músicas suaves em comparação ao álbum Remonta, mas sem perder o swing e o gingado característico da banda. Em músicas mais leves, a voz inconfundível de Liniker levava ao público a sensação de estar sozinho com ela, ouvindo o que tinha para dizer. Foi entre a música “Claridades” e a música “Amarela Paixão” que me emocionei de verdade. É impossível um ser que já amou alguma vez na vida não se identificar com pelo menos um verso do álbum Goela Abaixo.
“Amar é pra se corrigir e não perder a paz…”
(Claridades)
A sincronia e a harmonia dos Caramelows é o tempero essencial de toda a obra de Liniker. Em muitos momentos vi a banda orquestrando os movimentos do público: todos dançavam levados pelas batidas de Marja Lenski (percussão) e de Péricles Zuanon (bateria); todos sorriam com a simpatia e a irmandade de Liniker e Renata Essis (backing vocal) e todos se emocionavam com os acordes de William Zaharansk (guitarrista), de Rafael Barone (baixista), de Fernando TRZ (tecladista) e de Éder Araújo (saxofonista).
O show de Liniker e os Caramelows foi como um grande abraço forte e demorado transbordando amor e carinho.
“Fica com ela, respeita ela, que ela é mulher
E você tem que amar,
Porque ela quer carinho…”
(Goela)
Posso dizer que senti um orgulho imenso tanto como musicista quanto como mulher negra e LGBTQ+ ao final do espetáculo. Além de ser uma excelente cantora e compositora, Liniker é uma mulher negra e LGBTQ+ ocupando palcos nacionais e internacionais importantes. E é assim que deve ser!
Por Gicele Kreibich e Luísa Leão
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