Há tempos que sinto alguma angústia em relação à velocidade dos meus pensamentos. Explico: quando eu era criança e já entendia bem pouco sobre a vida, a morte e assuntos que crianças com menos de 10 anos costumam entender, lembro de vivenciar uma confusão mental que me era incômoda. O desconforto era repentino — podia estar no ônibus escolar, no carro indo para Gramado com meus pais, deitada na cama, no banho, no ballet ou andando pela rua. Não tinha hora para o siricutico começar.
No dicionário, siricutico significa estar ansioso(a), nervoso(a), curioso(a) ou as três coisas ao mesmo tempo. Definição exata para a sensação ruim que eu tinha — uma espécie de acúmulo desordenado de vários pensamentos, ideias, intuições e ações que aconteciam, todas muito rápidas, na minha cabeça, muitas vezes, até com trilha sonora. Tudo isso se cruzando e se batendo no meu imaginário, na minha caixa do pensamento, como dizia a minha filha Antônia, quando também era pequena.
Eu ficava meio absorta, tentando prestar atenção no que eu pensava, mas sem desligar do mundo e dos movimentos externos. Era quando iniciava uma sensação de lentidão física, como se tanta ação mental desordenada paralisasse as minhas ações externas. Então, amedrontada, eu controlava e ia pausando os pensamentos até voltar ao normal sempre que isso acontecia. E eram muitas vezes. Eu pensava no meio dessa confusão toda: “meu Deus, será que sou um pouco louca e não consigo controlar as coisas que eu penso? Como eu posso pensar, entre outras tantas coisas estranhas, que tenho medo de morrer e ainda imaginar coisas ruins, ou sem nexo, acontecendo comigo e com as pessoas que eu gosto!?”. Era como sonhar acordada — exatamente como são os sonhos, rápidos, confusos, cheios de situações diferentes misturadas, com pessoas e sentimentos contraditórios.
Adulta, tive algumas vezes essa sensação e, aí, já sabia que não era louca. O que eu devia ser desde pequena é uma pessoa ativa e criativa mentalmente. Enfim, toda essa introdução ligeiramente nostálgica e quase lisérgica é para dizer a vocês que eu ando, agora, com a cabeça cheia de pensamentos desordenados, porque quero escrever um romance. A minha caixa do pensamento está de novo atolada de situações, pessoas e sentimentos diferentes e confusos — de sonhos acordados. Mas isso já não me incomoda mais. Ao contrário, estou adorando ter decidido ser dona de uma história com toda a liberdade que a ficção e a literatura permitem. Ainda mais conduzida com carinho pela talentosa escritora Letícia Wierzchowski, minha mestra nessa empreitada. Tudo o que observo e que tem me acontecido ultimamente vai para esse multiprocessador de fatos que chamamos de (in)consciência e que, em mim, está em polvorosa — ativa e excitada para encontrar o fio da meada dessa aventura literária.
Há poucos dias, perdi um anel que eu tinha no dedo há mais de 13 anos (chega uma hora da vida de quem tem filhos que a idade deles vira o ponto 0 da nossa linha do tempo particular). Era de prata, feito pela minha amiga artista e talentosa Cristie Merlin Boff, e tinha gravada com sua letra a palavra auguri, que é felicidade em italiano. Ela mora na Itália, é artista plástica, designer de joias e estava aqui nessa semana. Somos daquelas amigas que se entendem no olhar e, como de costume, quando ela está aqui, jantamos juntas com as nossas filhas. Terminando de conversar e matar um pouco da saudade, percebi que ela dirigiu doce e ligeiramente o olhar para o nosso anel na minha mão direita e sorriu sozinha. Foram segundos. Nada falamos, mas o anel estava se despedindo e nos dizendo que estaríamos eternamente uma na vida da outra, independente da sua presença física na minha mão. Simplesmente sumiu! Estranho, porque era justo no meu dedo e não deslizava.
Contei para a Cristie ainda triste e sem entender o que tinha acontecido, sem lembrar em qual momento eu teria o tirado do dedo e o deixado em algum lugar. Jamais fizera isso. Ela me recomendou rezar ao São Longuinho (kkkk) e contou que teve um sonho muito tenso em que nós duas estávamos em uma estrada com muita chuva e que sentíamos medo. Fiquei pensativa no outro lado do WhatsApp imaginando essa tempestade.
Como eu não quero que vocês terminem esse texto achando que, realmente, eu tinha razão de me achar confusa e maluquinha quando era criança, encerro sentindo que, muitas vezes, perder um anel é tão e somente perder um anel, mas, em alguns momentos da vida, é preciso prestar atenção aonde vão parar os anéis que nós perdemos. E o meu?! Onde foi parar?! Palpito que ele já esteja se alçando a uma vaga no meu romance de estreia, ou que esteja altivo e original enfeitando o dedo de alguém que precisa, hoje, de mais alegria do que eu. O danado é tão poderoso que ainda tem grandes chances de ser o incentivo que faltava para que a Cristie, sua dona original e criadora, volte a fazer joias, algo que ela gosta, faz bem e que há tempos não se aventura. Ah, não se assustem com os pensamentos e os desejos confusos. Na maioria das vezes, é só seguir a intuição e organizar nossos siricuticos! Auguri!
Que texto inspirador!!!
Quero muito ler este romance! Um brinde aos loucos e Santos!!!! Te adoro prima emprestada. Sucesso sempre!