Corajosa, inteligente, atrevida, melancólica, sofisticada, impulsiva, original, brava, crítica e cítrica. Tensa e intensa. Não faltava nada de humano à Fernanda Young. Ela era a síntese mais perfeita e irreverente de tudo o que sempre desejei ser na vida. Livre, linda, forte, fraca, verdadeira e autêntica da unha do pé até o último fio curto ou colorido de cabelo. Costurava todo esse coletivo explosivo e potente de características com um estilo único e um enorme talento para a escrita e arte. Tudo junto, ao mesmo tempo, agora. Numa determinação e velocidade um tanto caótica quanto poética de transformar a si, o mundo e as pessoas que tocava com sua criação. E como tocava. De todos os jeitos. Aos risos, prantos ou surtos.
Artista, escritora, roteirista, poeta, jornalista e atriz, Fernanda Young nasceu em Niterói, no Rio, e na adolescência encontrou nos livros mais que influências: inspiração e distração. Angustiada nata, contou em entrevistas que não foi uma criança feliz, mesmo sem absolutamente nenhum motivo para isso. Aos 10 anos, teve o dolorido ímpeto de cortar os pulsos. Com 13, já na terapia, foi diagnosticada disléxica. Quando tinha 16, como aconteceu (e ainda acontece) com muitas mulheres da nossa geração (só que poucas têm coragem de assumir), Fernanda transou à força com o primeiro namorado. Marcada por esse fato, recolheu-se e parou de ir ao colégio. Só concluiu o ensino médio aos 24 anos, ao fazer supletivo. Foi quando descobriu que sofria de depressão e iniciou uma permanente luta contra o mal do século, com tratamentos médicos. Com exercícios, meditação, muita criatividade e trabalho, ela atenuou os sintomas. Nunca se fez de vítima por isso, inclusive, atribuía à doença o rumo interessante e bem-humorado daquilo que criava.
Esperta, aprendeu cedo e na própria carne que criar é curador. Tanto que, aos 26, lançava seu primeiro livro e viria a ser uma das escritoras mais importantes e atuantes do país. No início dos anos 1990, começou a namorar Alexandre Machado, também roteirista e escritor. Eles se casaram em 1993, e em 2000 nasceram as gêmeas Cecília Madonna e Estela May. Em 2010, adotaram Catarina Lakshimi e John Gopala. Estudou Letras, Jornalismo e Rádio e Televisão. Não terminou nenhum dos cursos e decidiu que seria escritora em São Paulo.
A meteórica carreira começou em 1995, como roteirista de A Comédia da Vida Privada, de LFV, para a Globo. Um ano depois, lançou seu primeiro romance, Vergonha dos Pés, com mais de 15 edições. Os direitos de À Sombra de Vossas Asas foram comprados por uma produtora de Hollywood interessada na história. Não parou mais de produzir. Embora uma turma careta e covarde tentasse há tempos intimidá-la. Driblou a caretice e os traumas sendo avassaladora e brilhante. Sobre todos os assuntos ela tinha o que dizer. E dizia. Sem medo de ser mal interpretada, embora quase sempre fosse.
Tudo bem, outra especialidade de Fernanda Young era encarar medos e demônios. Da maneira mais inusitada, bela e genial que pudesse, para dar corpo e atitude à sua coerência e sua voz. Fantasiada, travestida, de pijama, classuda, careca, colorida, escrachada, nua, elegante, crua ou sensual. Punk, frick, inteiramente tatuada com a pele alva marcada por tudo aquilo que amava e importava para ela: as dores, os amores e os valores. Contra a agonia e a inquietação, doses fartas e talentosas de amor e humor a cada projeto, a cada diálogo.
Com o marido, formou uma dupla implacável e ética na vida e na profissão. Foi um de seus grandes amigos, o parceiro criativo e maquiador gaúcho Duda Molinos, que também nos deixou em 2019, quem a ajudou a dar cara e vida para tantas e tantas múltiplas Fernandas. Para que ela fizesse de sua perturbadora beleza e corpo escultural também canal. Como descreveu a jornalista Mônica Figueiredo, que fazia parte de seu seleto grupo de amigos: “quem fala do ego de Fernanda são pessoas que não entenderam nada. Não entenderam como ela usou sua beleza e seu corpo para falar, mandou todos os recados. E muuuuuuuita gente entendeu”. Verdade, Mô, enquanto íamos entendendo a Fernanda Young, entendíamos a nós mesmos.
Em 2001, criou com o marido Os Normais. Sucesso na TV Globo por dois anos e adaptado para o cinema em 2003. É autora de 14 livros. Atuou como atriz e apresentadora em 10 projetos na TV e criou e escreveu outros 16 sucessos, entre eles séries, seriados e programas de TV. Duas vezes indicada ao Emmy Internacional. Não pararia por aí.
Desconcertante e contraditória, Fernanda era puro contraste e surpresa. Forte e lânguida. Furiosa e hilária. Flexível como a água, transformadora como o fogo. Pólvora na delicadeza. Temperamento forte, paciência curta. Coração tão imenso e intenso, bem como angustiado. Loucamente sagrada. Divinamente enlouquecida. Obsessiva, danada e produtiva. Divertidamente bélica, gata da capa e dona do olhar mais profundo e angelical. Estava excitada para estrear ao lado da xará Fernanda Nobre a peça Ainda Nada de Novo. Ela andava cansada da cretinice do mundo (e quem não anda?), mas ainda desejava ser muito e muitas Fernandas. E nós, nos dias de hoje, nunca precisamos tanto de todas elas.
Siga luz! Nos fazendo rir, chorar e entender, FY, sua obra é imortal. Descanse em paz, estrela maior!
Com meu amor e eterna admiração,
Mariana Bertolucci
ai amiga, ainda bem que tu existe para nos ajudar a passar por essa.