Em 1990, fui bixo da Mari Kalil na Famecos, mas não lembro de ela encher o nosso saco. Aquela chatice nem combinava com o seu jeito. Discreto e elegante. Particular, original, sempre observadora.
Nossa amizade nasceu quando aprendíamos as primeiras lições sobre o nosso ofício. No primeiro estágio da vida, na editoria de Esporte da TVE. Com o Andrei Kampff, dividíamos um fusca azul da reportagem. Na real, não sei bem se era azul a cor, mas tinha um buraco por onde olhávamos o asfalto, no trajeto das primeiras pautas. Foi quando ficamos amigas do Gabriel Moojen, que também estagiava no Radar.
Foi no fusca azul que entendemos e aprendemos a dar risada da “dor e a delícia” que sempre foi o jornalismo. E foram tantas ao longo desses 30 anos.
Hoje eu passei o dia inteiro ouvindo a risada gostosa da Mari. Meio alta, meio tímida, e que ia se modulando conforme a graça da piada e a vontade que ela tinha de rir naquele dia. A Mari tinha riso farto, sorriso doce, franco, mas não achava graça de tudo como eu.
Entrei na Zero Hora em uma vaga que tinha sido dela, no setor de Divulgação do chargista Marco Aurélio Carvalho, com quem ela arrasava na TV Comédia e já anunciava o dom que tinha para o humor. Mesma época em que ela também já se destacava no Segundo Caderno. Só quem passou por lá, mais ou menos nesses anos, sabe como era bom e animado compartilhar nossos dias, sonhos, dilemas e gargalhadas naquele “hospício” que chamávamos de redação, ou seria o contrário?
Entre uma fumaça na cara do Paulo Santanna, um causo do Wianey Carlet ou uma dica de livro do Ruy Carlos Ostermann, contávamos as nossas histórias e nos divertíamos à beça. Quando eu fui para o Segundo Caderno para fazer parte do Zerou, a Mari também era pouco mais que uma foca (eram os nossos primeiros anos de ZH), mas já estreava como uma das colunistas gaúchas diárias mais lidas e talentosas à frente da Contracapa, quando outro amigo e colega em comum, o Fernando Eichenberg, trocou o “hospício” por Paris, foi ela quem assumiu sua vaga.
Nessa época, passávamos os dias na Ipiranga e as noites na Fernando Gomes. Também nos chamávamos de Tipa e Tipo e acho que esse apelido foi invenção dela, e pegou entre nós, que erámos mesmo uns “tipos”.
No cantinho dela, de frente para toda a redação, minha xará descobria de um tudo: da escapada dos jogadores do Grêmio da concentração às últimas tendências da moda em Londres. Se o telefone (que ainda era o fixo) não estava na orelha e o bloco funcionando, eram o seu olhar e radar afiados que estavam atentos a tudo e a todos.
Quando ninguém ainda ouvia falar em glúten, ela já era a rainha das marmitas saudáveis de frutas e verduras picadas. Fazia Yoga quando ainda não era moda. Meditava enquanto ainda tínhamos bicho carpinteiro. Tinha um charme sapeca, vibrante, altivo e sereno. Tudo ao mesmo tempo. E até se ela entrasse quietinha na redação (como de hábito), era impossível não notá-la. Tinha sempre um laço, um cinto, um colar, um babado, um tênis, uma meia ou um tamanco diferente, colorido, cheio de estilo, que só víamos nas revistas (sim, folheávamos revistas para espiar as novidades).
No auge da carreira, quando todos os gaúchos acompanhavam sua coluna diariamente, nossa cidade ficou pequena para ela. E ela não pensou duas vezes. Passou pelas maiores redações de São Paulo e do Rio, estudou e morou em Barcelona, onde foi correspondente da BBC da Espanha. Colocou a mochila nas costas, como uma boa peregrina, e decidiu fazer o que mais gostava da melhor forma que podia: pelo mundo. Conhecendo pessoas, lugares e culturas diferentes aos 20 e poucos anos.
Para mim, a Mari Kalil foi muito mais do que uma amiga, xará e colega de profissão. Era uma Mariana que muitas vezes na vida, eu gostaria de ter sido. Decidida, forte, incansável. Sem medo de deixar seus afetos para ir atrás dos seus sonhos ou das suas crenças. Talentosa, corajosa, concentrada, determinada, disciplinada, leal, generosa e destemida. Tipa, minha xará, minha parceira de profissão e de vida. Nas horas boas e nos momentos difíceis. Que honra e que alegria foi compartilhar nossas vidas. Planejamos juntas uma revista, lembra, Gabriel Moojen? Quando ainda nem existiam os sites, também pensamos (tu que sempre vinha com as ideias novas e eu topava todas) em um blog, que chegou a ter um único texto de cada uma de nós.
No meio de tudo isso, não perdíamos a chance de juntar os “tipos” em uma boa rodada de chopp. O David Coimbra, o Ricardo Carle e o Luis Fernando Gracioli estavam sempre com as comandas nas mãos. Nossa turma da redação já não era a única, tínhamos outros amores em comum, a tua turma: as manas Kraemer, a Dani, a Cinthia… Fizemos muita bagunça na casa da Quintino quase esquina da Mostardeiro, quando tu me apresentastes teus maiores amores: os teus pais queridos, a Lucia, o Conrado e a Alemoa. Eu já era mãe da Antônia naquele verão em que tu e o Chico começaram a namorar. Como nos divertimos na Sapucaí, sambando, cantando e rindo no Rio naquele 2006. Nessa época tu já estavas de volta à nossa cidade, foi minha editora no Donna, me ensinou tanta coisa, casou linda e feliz com teu amor, cuidou dos teus filhotes, o Bento e a Gorda, escreveu três livros e iniciou uma exitosa plataforma digital que inspirou tuas milhares de perseguidoras, que são mulheres que hoje choram a tua ausência, mesmo sem nunca terem tido a sorte de ter te conhecido pessoalmente.
Se nesses últimos anos, a corrida da vida nos afastou fisicamente, estive bem perto e vibrei por cada uma das tuas muitas conquistas na tua linda e intensa trajetória humana. Nesse ano difícil que passou, fiz algo que aprendi contigo: não deixei nunca para depois e te repeti todas as semanas que ia dar certo e o quanto eu te amava. Obrigada, Mari! Até breve, parceira.
Escrito com amor e alma 💔
Texto que só uma irmã de alma poderia escrever sobre alguém. Lindo demais Mari, como te admiro. ❤️
Que texto lindo com lágrimas nos olhos acabo de ler e de sentir saudades de quem nem ao menos conheci pessoalmente e que Deus de forças para aqueles que ficam e que sentirão muita falta da querida Mariana Kalil 😢
Nossa q texto maravilhoso! Enxerguei a Marianna Kalil em teu relato e conheci um
Pouco mais dela contigo!
Acreditei na cura física dela, há como acreditei e torci, mas infelizmente ela foi levar sua leveza de espírito, sua doçura e inteligência! Para nos brindar lá de onde viemos e para onde iremos!!! Bjus Mariana Bertolucci “Tipa”
Impressionante quanta vida cabia naquela Mari! E quanta dor sentimos hoje…
Que homenagem linda!! Como já foi dito por outra leitora, vi a amiga Mari (sim, esta perseguidora a chamava assim) no teu relato e já com saudades de ouvir sobre o dia a dia dela pelo Instagram, percebo que a doçura que vi quando a conheci no shoppjng, era dividida com todos que conviveram com ela!! Que a família e os amigos tenham força para encarar este momento de dor, de saudade, tendo a certeza de que a “amiga Mari” está em um bom lugar!! Eu acredito nisto, depois de muito torcer, rezar, pela sua cura!! Bjs Mariana Bertolucci
Parabéns!!!! A Mari era e continuara sendo luz.
Wow que lindooooo Commm certeza ela voa, sorri e chora de feliz a cada um que lê e sente o o arrepio desta vivência BEM vivida e se valores que são deixamos pela Mari. Precisamos de Mais Maris nesse mundo…
Tb acabei de ler com os olhos cheios de lágrimas!! Lindo relato! Meus sentimentos a tds que hj sentem a falta dessa pessoa iluminada que ela era!
Que bom ler um tecto sensível assim, adorava ela e ficamos na nossa geração ,que tu também pertences, mais triste com a partida dela. Torci muito acompanhando pelas redes e admirei mais ainda a coragem dessa menina. Rico ficou que com ela vai estar agora. Perdemos nós
Muito lindo! Foi um domingo muito triste. Até breve Mari.
MAriana, que linda homenagem. Muito amor!
Que texto emocionante! Mari deixou tanto… beijo grande em ti!
Que lindas palavras . Belo perfil ! Qq jornalista da nossa geração quis em algum momento ser a Mari!
Texto lindo! A Mari sempre foi uma mulher diferenciada e cheia de vida! Viverá para sempre nos nossos corações!