Há 58 anos o Brasil vivia as primeiras semanas de um dos tempos mais tristes e obscuros da sua história: a ditadura militar. O regime autoritário, que durou 21 anos, começou com o golpe no dia 31 de março de 1964, quando o presidente João Goulart foi deposto e refugiou-se no Uruguai. A junta militar assumiu o controle do país e no dia 9 de abril foi baixado o Ato Institucional nº1, empoderando o Congresso para indicar o novo presidente. O escolhido foi o general Humberto de Alencar Castelo Branco, que era chefe do estado-maior do Exército. A imprensa foi censurada, foram suprimidos direitos políticos e a polícia passou a perseguir os oponentes do regime. Em 2014, foi divulgado um relatório que contabilizou 191 pessoas assassinadas e outras 243 desaparecidas, 434 no total. Segundo a organização internacional não-governamental de direitos humanos, a Human Rights Watch, 20 mil pessoas foram torturadas. Autoritário, o regime político privilegiava o Estado e suprimia as liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento do Legislativo e Judiciário. Na última sexta-feira santa morreu o General Newton Cruz, que entre 1977 e 1983 foi chefe da Agência Central Serviço Nacional de Informações (SNI), um dos mais truculentos e conhecidos personagens deste período. Acusado da tentativa de atentado a bomba no Riocentro em 1981, entre outros crimes, ele jamais cumpriu pena ou foi condenado.
Ensaiada desde a posse de Jango, no dia 7 de setembro de 1961, a manobra antidemocrática queria evitar o avanço das medidas populares do Governo que iniciava, acusado de comunista em um cenário de insegurança política e social. Voltemos um pouco no tempo. Em 1961, quando Jango retornava de uma viagem da China, onde se encontrava, os ministros militares vetaram sua posse, argumentando suas inclinações à esquerda. No dia 25 de agosto de 1961, com a renúncia do Presidente Jânio Quadros, o Congresso Nacional empossou o presidente da Câmara Ranieri Mazzili, aproveitando a ausência do vice. Diante da situação, após uma articulação levada a efeito no Congresso, para dar uma saída para a crise que se instaurara, foi instituído o sistema parlamentarista no Brasil pela Emenda Constitucional nº4. Goulart se manteve presidente apoiado pelo movimento da Legalidade, liderado cunhado e então governador gaúcho Leonel Brizola, aceitando a redução de poderes, com a ideia de recuperá-lo com o tempo.
O parlamentarismo durou até janeiro de 1963, quando a inflação atingia 73,5%. Nos primeiros meses do ano seguinte, em 1964, o presidente exigia uma nova constituição que rompesse com as antigas estruturas propondo as reformas de base que incluíam desapropriações de terras; nacionalização das refinarias de petróleo; reforma eleitoral garantindo o voto para analfabetos, reforma universitária, entre outras. Jango era apoiado por universitários e a crescente agitação popular fez com que os adversários do governo acelerassem o golpe.
O impedimento violava a Constituição e não foi aceito por muitos segmentos que fizeram manifestações e greves em todo o país. Foram 17 atos institucionais e cerca de mil leis excepcionais foram impostas. Com o Ato Institucional nº 2, os partidos políticos existentes foram extintos e o bipartidarismo foi adotado com Aliança Renovadora Nacional (Arena), representando a situação, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), a oposição, embora cerceado em sua atuação. Os atos institucionais promulgados durante os governos dos generais Castello Branco (1964-1967) e Artur da Costa e Silva (1967-1969) acabaram com o Estado de Direito e as instituições democráticas. A sociedade reagia com manifestações culturais, artísticas e os festivais de MPB eram cenários de protestos importantes. A Igreja Católica se dividiu entre os tradicionais que apoiavam o governo, e os progressistas críticos a doutrina de segurança nacional. As greves operárias reivindicavam o fim do arrocho salarial e liberdade para estruturar seus sindicatos. Os estudantes faziam passeatas reclamando da falta de liberdade política. A repressão aumentava e líderes de esquerda se organizaram em grupos armados para lutar contra a ditadura.
Para conter as manifestações de oposição, o general Costa e Silva decretou, em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5, que suspendia as atividades do Congresso e autorizava à perseguição de opositores. Em janeiro de 1970, um decreto-lei enrijeceu a censura prévia à imprensa e para caçar os grupos de esquerda, o Exército criou o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). A atividade dos órgãos repressivos desarticulou as organizações de guerrilhas urbana e rural, torturou e tirou a vida de militantes de esquerda. Com um potente esquema repressivo montado, a conquista da Copa de 70 criou um clima de euforia no país e a perda das liberdades políticas foi compensada pela modernização crescente das indústrias de bens duráveis, eletrodomésticos, carros, caminhões e ônibus.
A partir de 1979, a abertura política começava, lenta e gradual. Com a pressão, o Congresso já reaberto aprovou, em 1979, a revogação do AI-5 e o Congresso não podia mais ser fechado, nem os direitos políticos dos cidadãos cassados. Geisel escolheu o general João Baptista Figueiredo para sucedê-lo, de forma indireta, e com o compromisso de seguir a abertura política, ele assumiu em março de 1979. No final de 1983, o país iniciou uma campanha pelas eleições para presidente, as “Diretas Já” uniram lideranças políticas como Brizola, Fernando Henrique, Lula, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, entre outros. O movimento pela democracia chegou ao auge em 1984, quando seria votada a Emenda Dante de Oliveira, que restabeleceria as eleições diretas para presidente. No dia 25 de abril, apesar de obter a maioria dos votos, a emenda não conseguiu os 2/3 necessários para ser aprovada. Logo depois, as forças de oposição resolveu participar das eleições indiretas para presidente e o PMDB lançaram Tancredo Neves, para presidente e José Sarney, para vice. Reunido o Colégio Eleitoral, a maioria dos votos foi para Tancredo Neves, que derrotou Paulo Maluf, candidato do PDS. Eram os dias finais da ditadura militar. Eleito pelo povo em 1967, meu avô Walter Bertolucci, governou por apenas 90 dias e teve seu segundo mandato cassado como prefeito de Gramado. Como muitas famílias brasileiras, a minha teve amigos também perseguidos, torturados e desaparecidos. A Revista Bá entrevistou em 2018 três protagonistas gaúchos e ativos desse tempo e você poderá também conhecer mais essa história pela corajoso e bonito depoimento deles: Alceu Collares, Carlos Bastos e Flavio Tavares, muito obrigada! Foi uma honra!
Mariana Bertolucci
Que relato pertinente e necessário, Mariana. Esta é uma história que não podemos esquecer. Tive amigos que foram presos e torturados. Muito obrigada por esta escrita. Um beijo e uma boa semana.
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Mais um relato pertinente e necessário, Mariana. Obrigada. Um beijo.