Eu tinha 15 anos quando estive pela primeira vez no Planeta Atlântida. O ano era 2005.
No palco, passaram bandas como O Rappa, CPM 22 e Charlie Brown Jr. Mas eu queria mesmo ver a Pitty, o Seu Jorge e o DJ Tiësto, que também estavam naquela edição. Assisti a todos. Vi também o show do Ira!, do Marcelo D2 e do Papas da Língua, entre muitas outras atrações. Ah, o Planeta.
Ir ao festival era um marco temporal na minha adolescência. Muita gente da minha geração aguardava passar dos 14 anos para debutar, indo para a Saba ser um planetário. A medida que o verão se anunciava, a pergunta “já foi alguma vez no Planeta?” se tornava comum na minha época de colégio. E, para dizer “sim”, a gente estufava o peito, com orgulho e a sensação de ser “adulto” o bastante.
Por isso, em 2023, me emociona testemunhar o retorno desse tão tradicional, estimado e importante evento, após dois anos de interrupção pela pandemia. É um reencontro. O planeta voltando a girar. É, enfim, a chancela de que as coisas voltaram à normalidade.
Para quem frequenta o litoral gaúcho, o Planeta nos situa no tempo. Através dele, percebemos o quanto os meses de verão avançam. Tem o Ano Novo, o feriado de Navegantes/Iemanjá, o Carnaval e, não menos importante, os dias do Planeta Atlântida. Sem o festival, o calendário fica incompleto.
De volta a 2005, após anos acompanhando pela TVCOM, finalmente havia chegado a minha vez de estar no meio da multidão. De mergulhar no mar de pessoas, que parecia infinito para quem assistia de casa, e finalmente conhecer o Planeta Atlântida.
Naquele ano, ficamos em uma casa alugada em Capão da Canoa, eu, minha irmã, meu cunhado (até hoje), um casal de amigos deles e mais três rapazes. Todos maiores de idade. Menos eu, que me senti um baita adulto no meio daquela galera “bem mais velha”. Uso aspas porque a média de idade dessa “galera bem mais velha” era de 20 anos.
A minha vontade de ir ao Planeta Atlântida era tamanha que consegui ser aceito nessa turma após bastante insistência. Afinal, qual adolescente de 18 anos levaria o irmão caçula, com quem passa o ano todo em pé de guerra, a uma viagem entre amigos?
No tão esperado dia, vestimos nossas camisetas verdes da coleção da Renner e começamos a nos arrumar. “Não leva o celular, vai perder”, disse a Gabi, minha irmã. Não levei. Entramos no carro, eu, ela e o meu cunhado. Quando chegamos, lembro de sentir muita ansiedade, um frio na barriga e uma certa histeria. Lembro de avistarmos a ginasta Daiane dos Santos, que estava lá. De achar tudo absolutamente grandioso.
Passamos os portões de acesso, instantaneamente os três meninos solteiros desapareceram. E eu fiquei entre minha irmã, meu cunhado e o casal de amigos. “Não vim aqui pra isso”, pensei.
Havia conhecidos para encontrar, e ficar ali, definitivamente, não era uma opção. Minha irmã: “Tá bom. Quer dar uma volta, vai. Mas sempre volta pra cá. Esse é o nosso ponto de referência, ao lado do boneco inflável da Vivo. OK?” Eu: “OK!”
Nas horas que se sucederam, andei por cada metro quadrado que era possível. Passeei pelas tendas de música eletrônica e pela praça de alimentação. Cheguei o mais perto do palco que consegui. Assisti às bandas que me interessavam — e as que nem tanto também. Encontrei amigos.
Ao final, fiz o combinado. Fui até o ponto de referência, ao lado do boneco de publicidade. No entanto, não vi a Gabi nem o meu cunhado. Observei apenas a multidão, que rumava para os locais de saída. Era hora de deixar a Saba, e de levar as boas memórias. “Daqui a pouco eles aparecem”, pensei. O local, porém, foi esvaziando-se, cada vez mais. Aos poucos, a paisagem revelava-se, mostrando como era aquele espaço sem o público colossal. Desisti de esperar.
Passei a seguir o fluxo, até que me deparei com um telefone público, o famoso “orelhão”. Lembrava o número do telefone fixo da minha casa, em Porto Alegre. Liguei, a cobrar, na esperança de falar com meus pais, que poderiam localizar a minha irmã e informá-la onde eu estava. Mas ninguém atendeu. Desisti.
Olhei ao redor. Algum conhecido? Não. Verifiquei os bolsos. Havia uma nota de cinco reais. Caminhei para o nada, sem saber ao certo para onde estava indo. Daria para chegar a pé? Para qual lado da Paraguassu eu deveria dobrar? Não sabia a resposta para estas perguntas.
Ao chegar na avenida, um ônibus lotação passou, escrito “Capão da Canoa – R$ 3”. Parecia uma miragem, algo divino atravessando o meu caminho. Nem titubeei. Fiz o sinal e entrei. Depois de alguns minutos, sentado na janela e olhando para frente, reconheci a esquina da casa que havíamos alugado e desci. O imóvel ficava a várias quadras para dentro da rua, e eu já nem sentia mais meus pés. Mas segui caminhando.
Finalmente, em frente à casa, visualizei os carros, e entendi que eles estavam ali. Agora sim, eu poderia entender o que aconteceu. “Devem estar na sala, me aguardando, preocupados. Por quanto tempo ficaram lá na Saba me procurando?”
Quando tentei abrir o portão, percebo que o mesmo estava trancado. Na sequência, gritei, aplaudi a casa, joguei pedrinhas na porta de madeira. Nada. Desisti de tentar acordá-los.
Tirei os tênis e os arremessei por cima da cerca de arame. Enfiei os dedinhos dos pés entre os vãos. A cerca era mole; e a dificuldade, dura. Consegui escalar e estar do lado de dentro do quintal. E, para minha absoluta felicidade, a porta da casa só estava encostada.
Entrei em meio à baderna na sala. Todos dormiam. Eu só pensava em qual explicação receberia. O que me perguntariam? O que havia ocorrido? Aguçava-me a imaginação pensar em quantas horas eles teriam passado me procurando. Deitei no sofá e apaguei.
Fui acordado pelo abrir da porta do quarto no qual dormia a minha irmã. Enfim, eu saberia ela falaria, o que me perguntaria primeiro. E o primeiro — e único — questionamento foi: “por que tu dormiu na sala?”.
Depois desta estreia, voltamos outras vezes, juntos, ao Planeta Atlântida. E fizemos diversas outras histórias.
Este ano, o festival acontece nos dias 3 e 4 de fevereiro, na Saba, em Alântida.
No podcast Bá que papo desta semana recebemos Eugenio Correa, um dos fundadores e Planeta Atlântida. Falamos sobre os 25 anos do festival, como surgiu a ideia, o line up desta edição e mais outras histórias.
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Bá Experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio
Foto: divulgação de GZH