Quem nunca sentiu não sabe do que se escapou. No meu caso chegou silenciosamente. Assim como um cão chow chow não latiu antes de morder. Um dia simplesmente não consegui levantar da cama. O burnout foi o momento mais incapacitante que vivi. Me transformei do dia para a noite em uma gelatina que se dividia entre o sofá e a cama. A sensação de ser invertebrada e a náusea constante permaneceram por vários dias. Na verdade, foi preciso mais de um mês para me sentir eu de novo.
Como ignorei vários avisos anteriores, foi preciso que meu corpo parasse para eu entender. O alerta nada sutil surtiu efeito. Mudei totalmente de rumo. Iniciei de vez a transição de carreira que precisava e queria fazer. Depois que voltei à categoria dos vertebrados ainda passei por uma fase de ataques de pânico que pararam subitamente o dia em que minha mente fez foco e decidi internamente os próximos passos para romper com a rotina de trabalho exaustiva que não me alimentava a alma e nem rendia frutos financeiros. A lição foi clara: quando a gente não para por bem, algo externo acontece para nos colocar para pensar.
Quando olho para a minha vida hoje e vejo algumas incertezas, mas também momentos de pausa, de parar tudo e ir na praça durante o dia, tomar sol e afofar meus cães, eu agradeço. Aliás, mesclar momentos de lazer com trabalho é um dos grandes antídotos para o estresse. Essa conta precisa ficar no azul ou o corpo e a mente sofrerão. Outra forma de se proteger dessa síndrome moderna é a autoestima em dia. Quando mais soubermos dar limites a nós mesmos e aos outros, ter consciência da nossa singularidade e valor, menos usaremos a defesa da submissão, que é entregar a mais por não nos acharmos suficientes.
Escuto narrativas semelhantes das pessoas que me procuram por conta das terapias complementares com as quais trabalho. Todos têm a mesma sensação: correm muito, se perdem de seus propósitos e não conseguem dar conta de tudo que precisam fazer. Estão invariavelmente entre a sensação de culpa e a frustração. Tem uma essência no sistema dos Florais de Bach chamada Oak que é muito a cara desse cenário. É indicada quando as pessoas se esforçam tanto que deixam sua energia vital ser sugada e têm uma sensação de ficarem ocas por dentro. E um grande vazio vai preenchendo suas vidas.
Ao final, é como se a vida contemporânea nos empurrasse para esse caminho de transtornos emocionais e de exaustão. Como não apresentar traços de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) se tenho tantas frentes para lutar? Estou sempre no fazer e em velocidade. Alguma coisa vou acabar esquecendo. É certo. Como não ser “multimídia” se estou conectado com conteúdo incessante nas redes e na web. Como se meu cérebro fosse um computador ligado com muitas abas abertas sem, no fundo, estar presente em nenhuma delas?
Há pouco fiz uma matéria para o Jornal do Comércio sobre burnout. Os números mostram que se alastra essa pandemia silenciosa de seres estressados, que cedem à pressão externa e estão nessa maratona tentando chegar com vida no final da prova. Por quê? Ganham muito dinheiro? Maioria, não. Tem reconhecimento? Também não. Então, resta apenas a alternativa da necessidade básica de sobrevivência e a certeza de que um boleto sempre vence. E em um mercado corporativo exigente, a Inteligência Artificial se expandindo, excesso de mão-de-obra e quadros de funcionários cada vez mais reduzidos, é melhor dizer sim e manter o emprego a qualquer custo.
Por Liège Alves, jornalista, terapeuta floral e mestre em rakiram
Ilustração: Colagem de Liège Alves