Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio
No último sábado, 14 de outubro, Madonna estreou em Londres sua nova turnê, a Celebration Tour.
A canção de abertura foi Nothing Really Matters, tocada pela primeira vez desde 1999. “Nada realmente importa. O amor é tudo que precisamos. Tudo que eu te dei volta para mim.” Foi inesperado e repleto de significado.
Em junho deste ano, Madonna foi internada para tratar uma infecção bacteriana. Por conta disso, a data de início da Celebration Tour, que antes era 15 de julho, foi adiada. Sabíamos a gravidade do estado de saúde dela. A novidade revelada no show, porém, foi o significado dado à situação: uma experiência de quase morte.
“Não achei que iria conseguir. Nem os meus médicos. Esqueci cinco dias da minha vida – ou da minha morte… Mas as minhas crianças estavam lá. E as minhas crianças sempre me salvam”.
Durante a noite de estreia da turnê, Madonna contou, ainda, que foi salva pelas filhas caçulas, as gêmeas Stella e Estere, de 10 anos, que a encontraram e buscaram ajuda. E cantou uma versão acústica de I Will Survive, de Gloria Gaynor.
Alguns acontecimentos intensificam ou dão outros significados às coisas. É óbvio que I Will Survive foi colocada ali após a infecção que a fez parar no hospital. Mas a Celebration Tour, em si, já existia antes do incidente, só não tinha estreado. A primeira turnê não atrelada a algum álbum, para celebrar 40 anos de carreira da rainha do pop. Um espetáculo que se aprofunda em questões pessoais, como a homenagem aos amigos que se foram na epidemia da AIDS; o encontro com a figura da mãe, que morreu quando ela tinha 5 anos, e o reencontro de Madonna com ela mesma no passado.
Não soa um pouco premonitório?
Isso me faz questionar, inclusive, quais partes estavam previstas desde o início, e quais foram acrescentadas depois dessa experiência tão traumática e profunda que quase a levou à morte. E me trouxe a reflexão sobre como é possível existir uma artista que sempre se reinventa, se supera e traz algo inesperado.
Quando se fala de Madonna, nunca falta tempero. Nada é vazio. Pra nossa sorte, afinal, de tédio a arte já está cheia. Precisamos de conteúdo, de vozes relevantes. Por isso, ela é tão necessária.
Lembra que comentei sobre a Celebration Tour parecer algo premonitório?
Em 2019, a edição do Eurovision, o tradicional festival europeu da canção, ocorreu em Tel Aviv, Israel. Embora manifestações políticas não fossem permitidas, durante a performance da canção Future, dois dançarinos, um com a bandeira da Palestina e o outro com a bandeira de Israel, deram as mãos e se abraçaram no final. O refrão diz: Nem todo mundo vai pro futuro. Nem todo mundo está aprendendo com o passado. Nem todo mundo pode vir pro futuro. Nem todo mundo aqui vai durar. A União Europeia de Radiodifusão emitiu um comunicado depois informando que não havia sido aprovada a exibição das bandeiras israelense e palestina na apresentação.
Voltando mais no tempo, em 2006, dois homens aparecem de mãos dadas em um palco, um com a Estrela de Davi, dos judeus, e outro com a Lua Crescente, dos muçulmanos. A cena é da Confession Tour.
Na faculdade de jornalismo, tive uma disciplina chamada Jornalismo Internacional, ministrada pela professora Tanira Lebedeff. Ela nos passou a tarefa de levar para a aula uma música que mostrasse algo relevante para o jornalismo no mundo. Escolhi American Life, cujo clipe foi censurado, em que Madonna critica a atuação dos Estados Unidos na Guerra do Iraque. Se essa aula fosse hoje, levaria a performance de “Future” no Eurovision.
De volta a 2023, no show de estreia da Celebration Tour Madonna lamentou os conflitos que estão acontecendo. No concerto de ontem, dia 18, ela fez um desabafo. Disse que, como mãe, seria irresponsável da parte dela não falar do que está correndo entre Israel e Palestina. Afirmou que as pessoas não querem ver o que está acontecendo. Que ela abre as redes sociais e sente vontade de vomitar ao ver crianças sendo sequestradas e mortas. Crianças em paz sendo vítimas de ataques de outras pessoas.
“Que porra está acontecendo com o mundo? Onde está nossa humanidade? Isso tudo me assusta. Quero parafrasear James Baldwin, que diz que as crianças do mundo são nossa responsabilidade. Não me importa de onde elas são, qual é o endereço, a cor, a religião. Nós somos responsáveis por todas. Um menino de 6 anos foi morto a facadas em Chicago ontem. Foi um crime de ódio porque ele era muçulmano. Então temos que lembrar que somos seres humanos, e não podemos perder a nossa humanidade.”
É aí que identificamos quando um artista é relevante no mudo.
Não se trata de defender um lado ou outro. Este texto não é sobre isso. Tampouco a fala de Madonna foi sobre um lado estar certo e o outro errado. É sobre estar do lado da paz, e jogar luz no problema para alertar sobre questões sérias e urgentes.
De novo: Ela deu seu recado para a direção da paz. Até porque, se não for pra ir por esse caminho, Nothing Really Matters. Nada realmente importa.
Esta semana, no podcast Bá que papo, recebemos o Rafa Froner, do canal Café com Rafa, para conversar sobre todos os detalhes dos primeiros shows de Madonna em Londres com a Celebration Tour.
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Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio