Levante a mão quem não conhece aquela pessoa que vive sempre reclamando das mesmas coisas? Aquele amigo, parente, colega de trabalho que repete a mesma ladainha de sofrimentos e situações em que foi vítima de algo ou alguém. Se identificou, né? Agora, feche os olhos por um momento e pense nas suas narrativas atuais o quanto tem de reclamações de fatos que são recorrentes, que mudam apenas os envolvidos? Aí já é mais difícil, não? Apontar as chatices alheias é bem simples. Transformá-las em posts de desabafo nas redes sociais é mais fácil ainda.
O sócio é o culpado, o chefe me persegue, sou mal interpretada, tentei ajudar e o amigo me destratou. Quem nunca? É como naquele jogo de Detetive em que muda apenas o cenário, mas um corpo sempre aparece. O senhor Marinho, na biblioteca, com a chave de fenda. A senhorita Rosa, no salão de jogos, com o castiçal. Conhecemos nossa forma de narrar um fato. O difícil é reconhecer a nossa participação no crime.
Se sentiu desmascarado? Então, é porque é verdade mesmo. E se chegou até a essa parte do texto: parabéns! Saiba que isso faz parte da nossa humanidade. Que somos meio ridículos e repetitivos muitas vezes. Estamos sujeitos a enganos, a agir de forma impulsiva, de estarmos na nossa criança frente a uma situação na qual deveríamos agir como adultos. Não se envergonhe tanto e se esconda. Mas também não fique aí apontando o dedo para os outros enquanto no fundo sabe que faz a mesma coisa. Não fique na dualidade em uma situação onde cabe mais a empatia do que julgamento.
Gosto muito da frase de Bert Hellinger que diz: “Sofrer é mais fácil do que encontrar soluções porque no sofrimento não é preciso agir. Toda solução exige ação.” E onde nos coloca esse movimento de sair do comodismo? Acertou quem disse no presente. O único lugar em que é possível embaralhar as cartas e mudar a estratégia do jogo. Sair da vítima para se tornar o Mago, o arquétipo do Tarot que mostra um iniciado começando uma nova jornada.
Não é preciso carregar nessa viagem uma bagagem pesada. O troféu da culpa de não ser perfeito. Nem o prêmio de inspirar pena nos outros com meu comportamento que grita para o mundo “sou frágil, estou sofrendo, estou sempre com alguma dor ou nunca estável financeiramente, preciso de atenção e cuidados. Ou o contrário: vestir a capa do super-homem e tentar resolver a vida de todos que estão por perto. Se a gente resolver nossos desafios diários já está de bom tamanho.
Mas como se desapegar de algo que faz parte do roteiro que criamos para a nossa vida? Da forma como narramos quem somos? Quem sabe o início não está em reconhecer que usamos, sim, essas máscaras da impotência e da onipotência. Já é um avanço, não? Identificar isso significa estranhar. Não estar mais colado com esse personagem. Essa defesa existiu? Sim! Agi por um tempo assim? Sim! Mas quem sabe posso me desapegar desse “jeito de ser”?
Nessa época do ano realizamos uma sessão muito linda no Rakiram que se chama Queima Tibetana. É uma oportunidade de limpar o campo sutil de todas as emoções, pensamentos positivos e negativos do ano. Uma forma de apagar arquivos do nosso HD e abrir espaço para o novo em 2024. Não é mágica, claro. É uma ferramenta que faz uma limpeza profunda nos registros acumulados durante o ano. O que cada um faz com essa oportunidade e até que ponto pode chegar fica por conta da vontade e do momento de cada um. Por Liège Alves
Por Liège Alves, jornalista,
Amei que tu mencionou a carta do Mago! Sofrer em vez de agir, e focar em culpados em vez de focar na solução, são formas de burlar o chamado à ação. E a vitimização constante, ao meu ver, é uma forma de “lavar as mãos” e aguardar que o outro resolva nossos problemas.
Exatamente! Terceirizar a culpa não é solução.
É super importante mesmo essa reflexão da autorresponsabilidade. Muitas vezes sabemos as decisões que queremos tomar, também, e com medo de sermos vistos como insensíveis acabamos evitando parecer decididos e nos colocamos no papel de vítima para tentar fazer tudo parecer mais coerente. Mas não faz sentido. Decido aprender a tomar as decisões e arcar com suas consequências. Dar rumo. Liberar a mim e ao outro. Obrigada pela reflexão!