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A liberdade, a utopia e a esperança: o feminino presente

A psicanalista e pesquisadora Fernanda Hamann disse, em um documentário, que a nossa única chance de não nos afogarmos no nosso narcisismo é a escuta. A escuta do outro. Do que a diferença (o outro, que não é espelho) pode nos trazer e nos fazer repensar nossa visão do mundo.

A fala da Fernanda é suave, é segura, é sábia. É convincente, sem pretender ser. E faz todo sentido. Ela diz, ainda, que a rivalidade sempre vai existir. O ponto é: como lidamos com a rivalidade? Reconhecendo limites, reconhecendo a legitimidade do outro? Ou sem reconhecer o limite, atropelando o outro? A primeira opção dá trabalho. A segunda opção é a barbárie. (E não, isso não é um sofisma!)

Talvez estejamos, como sociedade, pendendo para a barbárie, penso logo neste entorno de mais um 8 de março… 8 de março e barbárie não combinam! É injusto com quem veio antes e tanto fez, mas a barbárie está ali, à espreita. Falo isso com tristeza e liberdade. Liberdade de pensar e de falar; liberdade e coragem de autoavaliar.

Qual meu “lugar” de fala? Sou mulher, branca, 42 anos, solteira, CEO de uma empresa que faz parte de um grande grupo de comunicação; tenho uma família e amigos foda; saúde em dia; cuca boa, como diria Elis Regina; estudei em colégio particular e universidade pública. Doei medula óssea para minha irmã. Me apaixonei perdidamente. Privilégios? Muitos. Também pifei. Encarei depressão profunda. Fui assediada. Denunciei. Fui chamada de louca. Quem nunca? (Felizmente vem da Espanha uma esperança… como dizia o Henfil, “tô vendo uma esperança”!)

Eu poderia falar de vários lugares com legitimidade pela visão de alguns. Prefiro o olhar pelo lado da liberdade de ser o resultado disso tudo e estar em paz comigo. Por isso minha reflexão neste 8 de março – em tempos sombrios, duros, de guerra, de feminicídio em alta – é um pedido aberto a todas as mulheres, um apelo. Não calemos diante da outra violência que outra mulher sofre. Ela pode ter outra fé, outra etnia, outra origem, outra cor, outra classe… mas ainda é uma mulher. Não façamos escolhas entre o que não precisa nem deve ser escolhido. Onde houver uma mulher sendo atacada, então as outras devem estar lá, sendo suporte. As diferenças se ajustam depois, porque ao fazermos isso, reconhecemos a existência do outro. Isso nos separa da barbárie. É tênue.

Minha liberdade de pensar por mim mesma foi sendo construída ao longo dos anos… e ela é muito moldada por mulheres. Grandes mulheres! Com algumas sigo em sintonia, com outras não. Mas há uma coisa que me liga a todas elas, em diferentes momentos, inclusive em alguns que jamais poderão ser contados: somos mulheres. E se uma delas for atacada por simplesmente ser mulher, então não há diferença entre nós. Isso é fazer uma revolução. E como toda revolução… ela é como a utopia de Eduardo Galeano: A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Sou mais Henfil, estou vendo uma esperança…

Por Flavia Moreira, jornalista

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