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Precisamos quebrar o silêncio climático!

Por Daniela Vianna*

Gosto muito da frase do Karl Jung quando ele diz: “conheça todas as teorias, domine todas técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. É assim que venho a este espaço, e agradeço à Mari por cedê-lo. A Mari me convidou para escrever sobre a maior crise do nosso tempo, pois trabalho há mais de 20 anos com comunicação ambiental e climática. Chego aqui consciente de que estou escrevendo para almas impactadas por essa imensa dor que nos assola e atravessa de diferentes formas. Não é para menos. Vimos o nosso estado, o Rio Grande do Sul, devastado por um evento extremo climático; vimos o nosso povo impactado; vimos as paisagens, que sempre encheram nossos corações de orgulho e ajudaram a nos constituir enquanto gaúchos, transformadas em um verdadeiro cenário de guerra. Chego com a consciência de que, quando entramos na vida do outro, estamos pisando em solo sagrado. Por isso, venho de pés descalços e com reverência. Em contrapartida, só peço que leia essas linhas com o coração e a mente abertos.
Imagino que estejas exausta(o) de tanta dor; também estou. São milhares de histórias de sofrimento, de dilaceração de sonhos, de soterramento de projetos, de necessidade de sobrevivência, de destruição e de perdas, muitas perdas. Mas também de solidariedade, empatia, luta, coragem, superação, redenção, ressignificação. Um momento capaz de despertar em cada um de nós o que temos de mais bonito no humano: o nosso senso de comunidade e a nossa capacidade de nos condoer e mobilizar com e pelo sofrimento alheio.
Nasci e cresci em Porto Alegre; moro há 24 anos em São Paulo, mas minha família está aí. Posso assegurar que acompanhar de longe também não está sendo nada fácil. Muitos amigos afetados, resgatados, desalojados, envolvidos diretamente na corrente de solidariedade, e meus familiares impactados indiretamente com a falta de água e de energia.
Além da dor, esse evento me atravessa ainda com sentimentos de revolta e de frustração, por tratar-se de uma tragédia anunciada. Há pelo menos 30 anos, os cientistas climáticos alertam para os riscos do aquecimento global provocado pela emissão de gases de efeito estufa por nós, humanos. Como no filme “Não Olhe para Cima”, também não foram ouvidos. Meu trabalho e meus esforços em comunicar a ciência, remando contra a maré negacionista e contra a máquina de produção de Fake News, também não.
Venho aqui, na semana do meio ambiente, convidar a cada uma e cada um dos meus conterrâneos a fazermos esforços coletivos que não sejam em vão. Peço, por favor, que me ajudem a quebrar o silêncio climático. Caso contrário, como poderemos olhar nos olhos dos nossos filhos e das crianças e jovens que têm o mesmo direito que nós a ter um Rio Grande do Sul como conhecíamos, e dizer que sabíamos o que precisava ser feito, mas que não fizemos nada?
Mudar não é nada fácil, mas é possível. Ainda dá tempo, mas tem de ser agora. É na crise que vemos quem é quem. Podemos fazer da reconstrução do nosso Rio Grande um modelo de adaptação, resiliência e convivência harmônica com a natureza da qual todos fazemos parte. Para isso, nosso papel, neste ano de eleições, é de votar em candidatos comprometidos com a questão climática e com a vida. Não se trata de um Gre-Nal; de direita e de esquerda. Trata-se de sobrevivência. A pauta climática é de todas e todos nós.
A ciência é clara em dizer que temos as tecnologias e os recursos necessários para reduzir à metade as emissões de gases de efeito estufa até 2030 em todo o mundo, nesta que é a década decisiva para frear o aquecimento do planeta. Porém, ainda estamos aumentando as emissões ano após ano. Estamos também testemunhando os representantes eleitos no país votando a flexibilização de leis ambientais.
Já fomos responsáveis, enquanto espécie, por aquecer a temperatura média do planeta em 1,5oC. Se continuarmos a viver no piloto automático, estaremos rumando para um aquecimento médio da ordem de 3,5oC até o final deste século, como assegura o físico Paulo Artaxo, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e professor titular da Universidade de São Paulo. Se seguirmos pelo caminho errático, as consequências serão devastadoras, e eventos como este que estamos vivenciando vão aumentar em intensidade e frequência.
Não fazer nada custará muito mais do que fazer a mudança que precisamos empreender juntos. Basta ver os prejuízos bilionários deste evento extremo e os custos estimados para a reconstrução do Rio Grande do Sul, da ordem de pelo menos R$ 50 bilhões.
É sobre soluções possíveis que quero tratar neste espaço. Todas as tecnologias para a construção de cidades adaptadas ao “novo anormal” do clima já existem. Todas as tecnologias para aumentarmos a produtividade agrícola sem derrubar uma árvore sequer também. O mesmo quando se fala em restauração dos biomas, em transição energética da era do petróleo para a das energias renováveis, em soluções baseadas na natureza.
E se é vontade política que falta, nós, enquanto sociedade, é que teremos de erguer nossas vozes e nossa indignação diante de tudo o que testemunhamos e vivemos na pele e cobrar pela mudança que precisamos empreender coletivamente. Como diz o jornalista André Trigueiro, não há nada mais ameaçador para um político do que ser cobrado pelo seu eleitor. Por tudo isso, de alma humana para alma humana, peço, por favor: vamos quebrar o silêncio climático e fazer a nossa parte.


* Daniela Vianna é jornalista (UFRGS), doutora em ciências ambientais (PROCAM/USP), pós-doutoranda do Programa USPSusten (SGA/USP) e pesquisadora do Saúde Planetária Brasil (IEA/USP).

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