Certa vez, há uns 10 anos, me perguntaram o que eu pensava sobre a moda. Minha resposta foi tão direta quanto ignorante. “Moda é uma estupidez, uma bobagem. Por que, afinal, curvar-se a uma indústria que nos dita qual roupa vestir; o que é tendência, o que é ultrapassado, o que é belo e o que é cafona? Não faz sentido.”
Em minha defesa, há algum sentido nessa opinião. Trago exemplos para provar. ontem, calças skinny e de cintura baixa eram consideradas bonitas, enquanto as calças boca de sino e as de cintura alta eram bregas. Hoje, é ao contrário. E, pelo que sei, tudo se encaminha para a lógica ser novamente invertida. Concordo, em partes, com o Diogo do passado. No entanto, fui amadurecendo essa percepção com o tempo.
Moda vai muito além do que é tendência ou não. Moda é comunicação. Comportamento. E poder.
A frase “informação é poder”, ou “conhecimento é poder”, é atribuída ao pintor irlandês Francis Bacon (1909-1992). Como jornalista, claro, concordo plenamente. Mas essa afirmação deve — ou deveria — ser óbvia para todo mundo, independente de profissão. Da mesma forma, deveria ser lógico que, se informação e conhecimento são poder, informação e conhecimento de moda também são.
Moda nos posiciona. Constrói imagem e reputação; determina a forma como o outro nos percebe. Comunica gosto, classe social, objetivos, valores, visão de mundo; se somos tímidos ou extrovertidos, confiantes ou inseguros, fechados ou disponíveis para o outro. Não à toa quando se diz que o figurino é a segunda pele do personagem. E, além de tudo isso, a moda é política.Alexandre Herchcovitch, um dos maiores estilistas brasileiros, é o exemplo perfeito.
Em 1993, na instituição católica dirigida por freiras onde estudou moda, no desfile de formatura Herchcovitch levou à passarela Marcia Pantera, a drag queen paulistana precursora do show de bate-cabelo. Os dois se conheceram quando Herchcovitch foi à boate Nostro Mondo, na qual Marcia performava. Após o espetáculo, o estilista a abordou na rua, apresentou-se e se ofereceu para fazer uma roupa de presente. A partir daí, nasceu uma amizade que dura até hoje.
Nesse desfile de formatura, Marcia Pantera usava um vestido-camiseta longo branco, com uma cruz invertida gigante pintada à mão em preto, e carregava um grande terço que pingava tinta vermelha na passarela.
Em 1994, ano em que a marca homônima foi lançada, ele começa a desfilar no extinto Phytoervas Fashion, onde apresentou a clássica estampa de uma pomba gira. Ou seja, havia uma mensagem no trabalho dele. Um propósito. Um discurso.
Óbvio, porém, que a indústria tem seu lado problemático.
Este texto não é uma carta aberta de paixão ao universo da moda. Ao contrário. Saber que o culto à magreza levou pessoas a desenvolverem distúrbios alimentares, e que isso é de responsabilidade da indústria da moda, por exemplo, é tão necessário quanto saber que moda é comunicação e política. De novo: informação e conhecimento são poder, mas depende do que a gente faz com essa informação e com esse conhecimento.
Por isso o uniforme do Brasil para os jogos olímpicos provocou tanto debate. Mesmo sem conscientemente saberem disso, as pessoas entendem que a moda comunica e nos posiciona. E todos nós queremos o nosso país como de fato ele é: criativo, diverso, alegre, festivo. Faltou um pouco dessa ousadia e do gingado que é tão nosso? Talvez.
Entretanto, sobraram valores sustentáveis, uma vez que foi utilizado reciclado e desfibrado na confecção das peças, bordadas de forma artesanal em Natal e no semiárido do Rio Grande do Norte. Bordados estes que, na minha opinião, são a parte mais bonita do conjunto (pra ser honesto, a única coisa que gostei, além das havaianas, parabéns às bordadeiras).
Herchcovitch, a propósito, desenhou em 2004 os uniformes da equipe brasileira para a Olimpíada de Atenas.
Já que o assunto é moda, informação e jogos olímpicos, para finalizar: sobre a performance com drag queens em fantasias coloridas na abertura, repito que informação e conhecimento são poder. Com um pouco de informação se saberia que cenas de banquete não são restritas à cultura cristã, e que a representação foi sobre o deus grego do vinho, Dionísio, não do quadro de Leonardo da Vinci que interpreta a santa ceia.
Aliás, caso você não saiba, os jogos que deram origem às Olimpíadas era uma mistura de festival religioso cujo objetivo era cultuar deuses do Olimpo, por meio da valorização das aptidões de cada atleta.
Nós sabemos o que realmente despertou a ira de conservadores extremistas. A real motivação. E é ótimo saber. Informação é poder.
Esta semana, no episódio 87 do podcast Bá que papo contamos com a presença da jornalista Pati Pontalti, que com toda sua experiência enriqueceu nossa conversa sobre moda em torno documentário da Max Herchcovitch; Exposto, que retrata a trajetória, personagens e tudo que fez parte dos 30 anos de carreira do estilista. Ouça agora no Spotify clicando aqui. Para ler outros textos da coluna Bá experiência, acesse este link.
Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio