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Aprendi a Ler nos Trinta e Poucos Anos

Quando pensamos em aprender a ler, logo imaginamos crianças pequenas, na primeira série, juntando as letrinhas: U+V+A = UVA, O+V+O = OVO. Foi assim que eu comecei a ler, como a maioria das crianças da minha geração. Mas a verdade é que só fui aprender a ler de verdade quando já tinha trinta e poucos anos.

Essa história começa com a minha amiga Rô. Se a Rô tivesse sido minha professora, com certeza eu a elegeria como a melhor que já tive. Mas ela não é professora, ela é psicanalista, e, acima de tudo, uma leitora voraz. A casa dela é um verdadeiro santuário de livros. Eles estão por toda parte: no hall de entrada, na cozinha, nos quartos, até no lavabo! É impossível não se sentir atraída por aquele mar de histórias.

Um dia, a Rô veio me visitar e trouxe uma sacola. Não qualquer sacola, mas uma daquelas de loja que, na época, eu achava muito desejável. Fiquei curiosa, pensando que talvez fosse uma roupa ou algum outro presente. Ela colocou a sacola no chão e fomos para a cozinha, onde costumávamos conversar e tomar um café fresco. Depois de um tempo, ela disse: “Véia, trouxe uns livros MEUS que separei pra ti e queria te falar um pouco de cada um.”

Ela começou a falar sobre cada livro com calma, com a segurança de quem sabia exatamente o que estava fazendo. Quando nos despedimos, ela me olhou e disse: “Cuida bem dos meus nenês!” –assim que ela se refere aos livros dela.

A Rô me trouxe sacolas de livros várias vezes. Ela só pegava de volta a sacola anterior depois de conferir se todos os livros estavam lá. Mas a verdade é que eu nem tocava nos livros. Eu não lia e ela não desistia de trazer livros.

Até que um dia, decidi pegar o livro mais fininho da sacola. E, desde aquele dia, nunca mais parei de ler. A Rô me apresentou autores como Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector, Philip Roth, Rosa Montero, Javier Marías, Mishima, Garcia Marques e tantos outros. Fui me encantando com as histórias e, de quebra, com as marcações que a Rô fazia nas páginas dos livros, dobrando as pontas. Eu ficava imaginando o que, naquela página, havia chamado tanto a atenção dela. Logo, comecei a comprar meus próprios livros e a fazer as mesmas marcações.

Quando terminei de escrever essa coluna, li para minha filha Roberta, que também é psicóloga, como a “tia” Rô. Depois de me ouvir, ela disse: “Sabe, mãe, quando eu pego um livro teu na nossa biblioteca, fico imaginando o que chamou a tua atenção naquelas páginas marcadas com orelhas.”

A Rô me ensinou que ler não é só juntar letrinhas, mas mergulhar em histórias, se encantar com palavras e, principalmente, compartilhar essa paixão com quem amamos. E, assim, me transformei numa leitora.

Valesca Karsten

Educadora, Proprietária da Escola de Educação Infantil Caracol de Porto Alegre, Curadora de arte para a infância, Pesquisadora e idealizadora do Podcast PodeMãe @karstenvalesca

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