Já vivi muito e, mais ainda, experimentei intensamente os sentimentos, especialmente o amor. Quando penso ter conhecido todas as formas de amar, sou surpreendida ao testemunhar a amizade entre dois colegas de infância, que perdura desde os anos 60.

Essa amizade que descrevo foi revivida em alguns dias de férias que passamos, meu namorado e eu, na casa de praia da amiga dele. Uma casa sólida, situada no litoral da França, com mais de 70 anos de história. Essa casa é daquelas construções únicas, carregadas da essência de uma vida vivida em Saint-Tropez há mais de 20 anos.

Escrevo essa crônica inspirada na cumplicidade e reciprocidade entre meu namorado e sua amiga desde os tempos de Jardim de Infância. A convite dela, fomos visitá-la. No segundo dia, enquanto os dois amigos conversavam na cozinha—ele lavando a louça e ela secando—não resisti e os fotografei.

Os dois amigos compartilharam memórias o tempo todo: aventuras da infância, adolescência, férias, amores. E, generosamente, nos incluíram, a mim e ao marido dela. Digo “generosamente” porque essa dupla já era completa, não precisava de mais ninguém.

Senti-me acolhida pela generosidade dessa amiga, que também estava se tornando minha amiga. Nos abriu sua casa e suas memórias. Pela casa, vi obras de arte feitas na infância pelas filhas do casal. Ela, uma mãe amorosa e firme, ensinou que, além do amor e respeito, arte, estudo e cultura são as maiores riquezas que se pode ter na vida.

Nossas manhãs por lá foram embaladas por boa música, muitas vezes francesa. Quando falávamos sobre nossos filhos e suas certezas, ela nos convidava a ouvir Jean Gabin.

Ao retornar para casa, percebi o quanto senti saudades do meu trabalho, das crianças da minha Escola, e como elas também sentiram minha falta. Cheguei no início de uma tarde ensolarada e fui direto para o pátio. As crianças, entre um e três anos de idade, brincavam ao ar livre. Quando me viram, seus rostinhos se iluminaram. Era “Vavá” pra cá, “Vavá” pra lá (assim eles me chamam carinhosamente), um alvoroço delicioso. Vendo e sentindo isso, voltei a pensar no título dessa crônica.

Em um certo momento, uma menina me deu uma lambida na bochecha, um gesto espontâneo de amor. Outras crianças brincavam em um mini-playground. Esse grupinho me espiou por um dos buracos e me chamou para brincar. O desafio era entrar com o meu metro e setenta e cinco naquele buraco. Ao me verem descendo pelo escorregador e tentando entrar naquele espaço (grande para elas e pequeno para mim), ficaram fascinadas. Mas, passado o encanto inicial, começaram os conflitos: todas as crianças queriam sentar ao meu lado ou no colo.

São esses momentos em que um adulto atende ao chamado da criança que as encorajam a construir laços de amizade. Esses modelos, que ficam dentro delas, criam expectativas positivas em relação às amizades no futuro. Afinal, para um encontro acontecer, é preciso que ambas as partes estejam dispostas. Sensibilidade e acolhimento são fundamentais para dar match. E assim, me sinto amiga das crianças, desde a infância.

Valesca Karsten

Educadora e proprietária da Escola de Educação Infantil Caracol, Porto Alegre Idealizadora do Podcast PodeMãeEducadora, Proprietária da Escola de Educação Infantil Caracol de Porto Alegre, Curadora de arte para a infância, Pesquisadora e idealizadora do Podcast PodeMãe @karstenvalesca

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