Independentemente das questões religiosas, uma das grandes riquezas das datas comemorativas é a possibilidade de resgatar memórias afetivas. E você, que me lê agora, lembra de alguma Páscoa especial da sua infância?
Eu lembro bem dos domingos de Páscoa, quando acordava e seguia as pegadas do “coelho”. Meus pais criavam verdadeiros labirintos com essas pegadas, e eu, encantada, saía à caça. Naquele tempo, minhas perninhas eram curtas e o caminho parecia longo. Quando finalmente encontrava o meu ninho, era uma festa! Adorava ganhar coelhos de chocolate, eram maciços naquela época.
Depois da Páscoa, lembro também de levar para Escola, junto com o meu lanche, uma sobremesa de chocolate. Minha mãe partia os ovos e as orelhas do coelho de chocolate em pedaços, e eu achava o máximo levar um pedacinho da minha Páscoa para o colégio. Teve um ano em que ganhei um coelho de verdade. Fiquei fascinada com seu pelo macio e os olhos vermelhinhos. Mas ele não ficava quieto no meu colo e, além de tudo, fazia cocô por toda parte! Foi então que minha avó Adelaide, que criava galinhas, o levou para o galinheiro. O que aconteceu depois, não lembro – e talvez seja melhor assim.
Minha experiência com crianças – e já são muitos anos – me faz ver como elas continuam encantadas com a magia dessa data, especialmente com o coelhinho da Páscoa. Os pequenos fantasiam que ele está escondido, espiando tudo, preparando os ninhos na escola e em casa. Quando enfeitamos a escola com as crianças, na semana que antecede a Páscoa, o entusiasmo não é só delas: pais, responsáveis e toda a comunidade escolar entram na brincadeira.
As datas comemorativas são mais do que momentos festivos. Elas constroem rituais que permanecerão na memória e no repertório emocional das crianças para sempre. Pequenos gestos, como esconder um ninho ou pintar ovos com as crianças, podem parecer detalhes, mas são essas experiências que marcam a infância.
Outro dia, meu psicanalista, que sabe que gosto tanto de contar quanto de ouvir histórias, me trouxe uma curiosidade deliciosa. Em uma viagem, um dos pontos altos foi visitar um restaurante estrelado do chef português José Avillez. Inspirado no conto A Galinha dos Ovos de Ouro, de O Sítio do Picapau Amarelo, ele criou um prato chamado A Horta da Galinha dos Ovos de Ouro. A apresentação do prato inclui um ovo e pão crocante, remetendo aos preciosos ovos dourados da história. Não é interessante pensar que uma simples lembrança de infância pode inspirar um chef renomado a criar um prato de alta gastronomia? Isso só reforça como as histórias que vivemos na infância nos acompanham para sempre.
Dias atrás, me pediram para preparar uma fala sobre o consumo das crianças no futuro. Refleti muito, pesquisei e troquei ideias. Como educadora, acredito que o futuro das crianças – as que já estão aqui e as que virão – depende do que fazemos com elas e para elas hoje. Pequenos gestos de afeto e construção de memórias importam mais do que imaginamos.
Que esta Páscoa seja um tempo de conexão, de criar histórias que ficarão guardadas na memória das nossas crianças. Porque, no fim, não é sobre o que o coelhinho traz, mas sobre o que fica.
Desejo a todos uma Páscoa doce e cheia de afeto!
Valesca Karsten
Educadora, diretora da Escola de Educação Infantil Caracol de Porto Alegre.
Curadora de arte para a infância e realizadora do Podcast PodeMãe.
@valesca.karsten