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FLÁVIO DUTRA

Meus primeiros passos na profissão foram bem pertinho da Dani. Fomos estagiárias juntas na Rádio Gaúcha em 1995. Onde estreamos plantões cheios de novidades, entramos no ar ao vivo, morremos de rir e conhecemos parte dos nossos amigos, colegas e convivemos com grandes nomes do jornalismo gaúcho. Foi um tempo feliz e inesquecível, em que iniciamos – na prática – uma contínua e eterna relação de amor, zelo e aprendizado pelo jornalismo. Fiz a minha carreira em Porto Alegre e me dediquei especialmente ao jornalismo cultural e de variedades. A Daniela Vianna radicou-se em São Paulo e construiu uma sólida carreira como jornalista, pesquisadora e comunicadora climática. Em comum, aprendemos a fazer jornalismo olhando para as pessoas. A gaúcha é mãe do Arthur, Doutora em Ciências Ambientais pelo PROCAM/USP, pós-doutoranda do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (grupo de pesquisas Saúde Planetária Brasil – @saudeplanetaria). Tem ainda no currículo um pós-doutorado em comunicação climática no Center for Climate Change Communication, ligado à George Mason University, nos Estados Unidos. É voluntária do movimento Famílias pelo Clima e líder climática pelo The Climate Reality Project Brasil (fundado por Al Gore). Uma comunicadora necessária, apaixonada e um farol luminoso em direção ao futuro: é preciso olhar com atenção para os alertas climáticos.

Essa tragédia podia ter sido prevenida ou significativamente minimizada?

Com toda a certeza. Há mais de 30 anos os cientistas climáticos alertam para os riscos do aquecimento global provocado pela ação humana. A emergência climática aumenta eventos extremos como o que atingiu o Rio Grande do Sul em intensidade e frequência. Isso é perceptível nos dados históricos das piores enchentes do Guaíba: 1941; 1967; 2023 e 2024. Além dos ciclones extratropicais que passaram a ocorrer, como os que atingiram o estado em junho e setembro do ano passado. O último relatório do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC), lançado no ano passado, é contundente em alertar para este e outros problemas decorrentes do aumento da temperatura do planeta (eventos extremos como inundações e secas, incêndios florestais, aumento de doenças como dengue, elevação do nível dos oceanos, entre outros). A ação humana pela queima de combustíveis fósseis desde a Revolução Industrial e por mudança de uso do solo (incluindo queimadas e desmatamento), que é responsável por quase 80% das emissões brasileira de GEE (gases de efeito estufa), já foi responsável pelo aumento da temperatura média do planeta em 1,1oC. Ano passado, atingimos 1,5oC, registrando o ano mais quente da história. O Brasil é o sexto maior emissor mundial de GEE. Se nada for feito para frear as emissões, infelizmente veremos outros eventos como este atingindo não apenas o Rio Grande do Sul, mas outras partes do país e do mundo. (Fontes:https://climainfo.org.br/climasemfake-entrevista-prof-paulo-artaxo-do-ipcc-frear-crise- climatica-e-urgente/)

A cada nova tragédia ambiental, perdemos vidas e, também, a oportunidade de aprender com os erros. Até quando São Pedro será culpado pelos deslizamentos de terra e as inundações? É passada a hora de se pensar em um planejamento urbano que considere as variáveis ambientais e climáticas, mas também sociais.

Sugiro assistir essa entrevista ao #ClimaSemFake, que fiz com o geólogo Fernando Nogueira, professor do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e coordenador do Laboratório de Gestão de Riscos, empresta seu conhecimento para apontar caminhos e oferecer soluções concretas para a construção de sistemas de adaptação climática no Brasil. https://www.youtube.com/watch?v=0EoOG8s440w

É imprescindível que mais jornalistas e comunicadores se especializem nas questões climáticas para população ter mais informação?

O papel da imprensa, dos jornalistas e dos comunicadores é essencial para a mudança que precisamos empreender juntos. Como diz André Trigueiro, o jornalismo é um pássaro com duas asas: uma para denunciar o que está errado, outra para sinalizar rumos e perspectiva. Temos de reduzir as emissões em 10% ao ano se quisermos estabilizar o aumento médio da temperatura do planeta em um limite seguro (1,5oC, não passando de forma alguma dos 2oC) para a manutenção de todas as formas de vida, inclusive a nossa enquanto espécie, mas as emissões ainda estão crescendo ano a ano. Se com o aumento médio de 1,1oC já estamos vendo essa tragédia, imagina com mais? Se somos parte do problema, precisamos ser parte da solução. Só que isso exige mudança do sistema no qual estamos inseridos e do qual a mídia faz parte.

Nosso papel é começar a ligar os pontos: flexibilização de leis ambientais geram aumento das emissões e do aquecimento do planeta, o que causa eventos extremos; agir por uma transição energética, migrando dos combustíveis fósseis para energias renováveis é fundamental para frear as emissões; não fazer nada e manter tudo como está custará muito mais caro do que agir agora; apoiar a parte do agronegócio que desmata é dar tiro no pé; apoiar a exploração de petróleo é dar tiro no pé: a emergência climática impacta diretamente a saúde da população e sobrecarrega o sistema de saúde (vide a dengue e a pandemia); votar em políticos que não estejam comprometidos com a pauta climática e ambiental é ser conivente com o agravamento da crise; ainda dá tempo, mas precisa ser agora; o combate à crise climática precisa andar de mãos dadas com a redução das desigualdades; os povos indígenas, que manejam florestas sem destruí-las há milhares de anos, têm muito a nos ensinar sobre uma relação harmônica e conectada com a natureza da qual todos somos parte. Essas são mensagens que não podem mais estar fora da pauta de qualquer jornalista ou comunicador que esteja comprometido com a vida. Caso contrário, continuarão correndo atrás do rabo e cobrindo tragédias e desastres depois que ocorrem, em vez de sinalizar os rumos da mudança enquanto ainda é tempo.

Na prática, o que cada um de nós pode fazer para ajudar a minimizar os danos do desequilíbrio climático daqui pra frente? Adianta ainda?

Claro que adianta!!! Diante do risco da sobrevivência, não podemos jogar a toalha. Mas o sentido de urgência precisa estar em cada um. Como diz a ativista Greta Thumberg, a casa está pegando fogo, e vocês continuam aí agindo dessa forma. Como ousam?”. Ainda dá tempo, mas precisa ser agora. Em primeiro lugar, entender que cada um tem seu papel, independentemente do seu campo profissional. A Declaração de São Paulo de Saúde Planetária, lançada em 2021, sinaliza para artistas, juristas, imprensa, profissionais de saúde e outros públicos como podem agir. Foi elaborado há muitas mãos, internacionalmente, durante o Planetary Health Annual Meeting, realizado virtualmente na USP pelo Saúde Planetária B r a s i l . ( h t t p s : // d r i v e . g o o g l e . c o m / f i l e / d / 1 M _ _ 7 c u G J u 9 D 7 H g _ j 3 t l g k x P l R 9 – 0 4 2 8 d / v i e w ) .

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Ações para reduzir impactos são importantes (consumo consciente, plantio de mudas, mutirões de limpeza, hortas comunitárias, compostagem, redução do consumo de plástico, reciclagem), tudo isso é importante. Mas mais do que isso, precisamos quebrar o silêncio climático. Precisamos votar em candidatos comprometidos com a agenda ambiental e climática. Não é fla-flu ou gre-nal. Se tiver um candidato de direita comprometido, está valendo. A questão é política na escolha, mas não é politicagem. Estamos em ano de eleições municipais. Essas pessoas estarão lá até quase o final desta década, considerada decisiva no combate à crise climática. Se o candidato não estiver realmente comprometido com a mudança, não vota. E depois de votar, é cobrar pelas ações prometidas.

As mudanças climáticas são globais, mas têm impacto no território, como vimos nesta tragédia do nosso Estado. Por isso, ações de adaptação climática serão fundamentais. O que quer dizer isso? Investir em infraestruturas resilientes aos eventos extremos, criar planos efetivos de gerenciamento de riscos de desastres, evitar reconstruir cidades devastadas sem considerar os riscos climáticos, evitar reconstruções em áreas que poderão ser novamente afetadas; frear a sanha da especulação imobiliária; tudo isso será fundamental para que vidas sejam salvas.

O engajamento em coletivos, ONGs e organizações que já estão fazendo a diferença também é fundamental. Embora muitas pesquisas indiquem que as pessoas, diante da magnitude da crise climática, ficam estagnadas, fecham os olhos e se acham incapazes de agir, outra pesquisa recente, realizada nos EUA, mostrou que pessoas que foram diretamente impactadas por eventos extremos, ou conhecem quem foi, são mais propensas a cobrar das autoridades e a se engajar em movimentos pela mudança. Que cada gaúcho e gaúcha agora assuma o seu papel. Existem muitos: movimento Famílias pelo Clima, Fridays for Future, Observatório do Clima (com mais de 80 ONGs), Agapan (aí no RS), entre tantos outros movimentos ambientais, socioambientais e climáticos. Somar forças e engrossar vozes é o que precisamos agora. O André Trigueiro também diz que não tem nada mais ameaçador para um político do que ser cobrado pelos seus eleitores.

As políticas públicas em geral levam a sério todas as informações e pesquisas que os especiali s tas do clima vem alertando e informando há décadas ? Se sim. Que exemplos de gestões em quaisquer níveis (municipal, estadual ou federal) você daria de cidades ou estados brasileiros mais atentos nesses pontos?

O melhor exemplo no âmbito local está na cidade de Niterói, que criou a primeira Secretaria Municipal de Mudanças Climáticas e, no último evento extremo ocorrido por lá, conseguiu que não houvesse nenhuma vítima fatal, apesar do cenário de destruição. Prevenção e gerenciamento efetivo dos riscos são soluções que salvam vidas.

No caso do RS com tantas canais interligados de águas, o alerta da cheia de 1941, e a mais recente em 2023. E agora em maio de 2024, fica claro que não estávamos preparados para o tamanho dessa tragédia. Não seria o caso da Secretaria do Meio Ambiente já ter um gabinete de gestão de tragédia? O Brasil está preparado para tais eventos daqui para frente?

Novamente, precisamos construir planos efetivos de gerenciamento de riscos e desenvolver um planejamento urbano que considere as variáveis ambientais e climáticas desse novo “normal”.

Eles devem acontecer cada vez com mais frequência em todos os lugares do mundo?

Eles já estão acontecendo em frequência e intensidade maior em diversas partes do mundo, vide os incêndios florestais que atingiram o Havaí e a Califórnia; as ondas de calor históricas na Europa e aqui no Brasil; a seca extrema que atingiu o próprio RS e a Argentina, quebrando safras. Se formos citar exemplos, isso poderá virar um livro… de terror, destruição, perdas econômicas e mortes.

Qual o maior desafio do voluntariado? E o que a solidariedade te ensina?

Tenho consciência da responsabilidade de liderar nossa entidade dando continuidade a um trabalho conjunto executado há 70 anos por mulheres voluntárias que abriram um espaço em suas vidas para levar esperança, conforto a quem atravessa um momento difícil em suas vidas. Assumi com metas de profissionalizarmos a entidade e crescermos na prevenção.

Como é trabalhar com essas informações assustadoras e saber que muitos processos já são irreversí vei s. Você preci sa fortalecer a parte emocional ainda mai s sendo mãe de um pré-adolescente?

Acordo, trabalho e deito todos os dias tentando fazer a minha parte no despertar de corações e mentes para a crise climática e para o foco em soluções. Elas estão dadas, já existem. Reflorestamento, recuperação de áreas degradadas, transição para fontes renováveis de energia, em todas as áreas já existem tecnologias disponíveis, mas falta VONTADE POLÍTICA.

O que aconteceu no Rio Grande do Sul me atravessou de diferentes formas. É o meu chão, o meu território. Porto Alegre é a cidade onde eu nasci e cresci. Trabalhei na Rádio Gaúcha, no Correio do Povo, hoje cercado por água. Tenho amigos e familiares aí, também afetados. Difícil manter a saúde mental e emocional diante disso tudo. Haja mantra! Ainda tem uma outra camada: trabalho há 20 anos comunicando questões ambientais e climáticas, sinalizando os riscos. Vêm uma sensação de revolta, de impotência e de incompetência por não conseguir destapar ouvidos que não querem ouvir; olhos que não querem ver. E ainda nadar contra a maré crescente de negacionistas e de produtores de fake news, verdadeiros assassinos. Quem sabe agora, diante dessa tragédia, o Rio Grande do Sul e Brasil acordem!

“Estou transformando essa dor, essa raiva e essa revolta em força para agir ainda mais. Não tem outro caminho.”

Essa é minha missão de vida, por mim, pelo meu filho, pelos meus amigos e familiares, e por todos. Uma vez, num protesto do Famílias Pelo Clima, uma mãe segurava um cartaz dizendo: “como eu poderei olhar nos olhos dos meus filhos e dizer: eu sabia, mas não fiz nada!”. É isso. Eu sei, e preciso agir fazendo o melhor que eu posso.

O RS alagado, SP com super temperatura e a região Norte com queimadas e incêndios. Tudo isso tem relação?

O desmatamento na Amazônia está interferindo no regime de chuvas de todo o Brasil, inclusive do Rio Grande do Sul. Tudo está interconectado.

Quais as nossas perspectivas em relação ao aquecimento global? Você tem informações que são irreversíveis já? Acabar com plástico, poupar água e energia, separar o lixo, não destruir as florestas e frear o consumo compulsivo. Se mudarmos toda essa cultura de vida e produção é possível garantir o bem estar da vida no planeta ainda ? Ainda temos chance?

Sim, ainda temos chance. Cada fração de grau importa. Então, não dá para jogar a toalha. É tempo de nos unir pela mudança que precisamos empreender juntos.B


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