Após longo período na gaveta, o projeto de adaptação cinematográfica do livro Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera, finalmente tornou-se realidade pelas mãos do diretor baiano Aly Muritiba, conhecido pelo trabalho no drama Deserto particular, produção escolhida para representar o Brasil na corrida pelo Oscar de melhor filme internacional na última edição da premiação, e da série O Caso Evandro, do Globoplay. Ontem ele ganhou às telas do Palácio dos Festivais, na 52ª Edição do Festival de Cinema de Gramado.
O filme foi rodado no litoral sul de São Paulo. A trama acompanha um professor de natação, interpretado por Gabriel Leone, que se refugia num balneário e passa a investigar as circunstâncias da morte do avô, vivido por Ricardo Blat. Thainá Duarte, de Aruanas, faz par com o protagonista. O filme irá para o Globoplay após ser exibido nos cinemas.
O livro de Daniel Galera, que tem como cenário, originalmente, a praia catarinense de Garopaba, foi lançado em outubro de 2012 pelo paulista radicado em Porto Alegre e tornou-se um dos livros mais aclamados da literatura brasileira contemporânea. Celebrando 10 anos da obra, que ganhou em 2013 o Prêmio São Paulo de Literatura, a editora Companhia das Letras lançou uma edição especial, em 2022. Com capa dura e novo projeto gráfico, o livro traz apresentação da escritora Carol Bensimon e posfácio do historiador Júlio Pimentel, além de considerações finais do autor.
Barba Ensopada de Sangue é o quarto romance de Galera, sucedendo Cordilheira (2008), Mãos de Cavalo (2006) e Até o Dia em que o Cão Morreu (2003). O escritor trabalhou, em primeiro lugar, com a ideia de um protagonista que sofre de prosopagnosia — distúrbio neurológico em que a pessoa é incapaz de assimilar rostos após vê-los, mesmo com conhecidos. A enfermidade acaba por caracterizar o personagem emocionalmente. Por conta dessa dificuldade em reconhecer as pessoas, ele se torna introvertido e fechado.
A segunda motivação para o romance partiu de uma história que o pai de Galera lhe contou sobre um assassinato em Garopaba, que teria ocorrido na década de 1970. Durante um baile, as luzes foram apagadas e um homem foi esfaqueado. Conforme o rumor, a vítima era alguém que causava problemas por ali, então ele supostamente teria sido atacado por mais de uma pessoa. Quando a polícia investigou, ninguém sabia de nada. Foi uma espécie de justiçamento de comunidade, que foi incluído na narrativa: o protagonista investiga o que aconteceu com Gaudério, o seu avô, morto nas mesmas circunstâncias descritas na história que o autor ouviu. Porém, os nativos são lacônicos ao rememorar o episódio para o protagonista. Acrescentando à história contada pelo pai e à doença, foi somada a experiência de Galera ao viver em uma cidade pequena, onde não conhecia ninguém. O autor morou em Garopaba de julho de 2008 até o final do ano seguinte e voltou a Porto Alegre com o primeiro capítulo pronto. Entre 2010 e 2011, trabalhou no romance.
Na narrativa, há um protagonista sem nome que busca isolamento e um recomeço de vida em Garopaba. Ele ainda está assimilando a morte do pai e o fim de um relacionamento, além de uma tensão familiar. Sua companheira é Beta, cachorra que acompanhava seu pai. Enquanto trabalha como instrutor de natação, o professor faz amizades e entra em relacionamentos, mas encontra um ambiente hostil toda vez que indaga sobre o avô.
A aparência dele fica cada vez mais parecida com a de Gaudério, o avô, o que causa incômodo aos nativos que o conheceram. Barba Ensopada de Sangue se destaca por sua narrativa cinematográfica com cenas encadeadas, um linguajar objetivo e muita ação. Ao mesmo tempo, alimenta um clima de suspense e causa desconcerto — em especial, pela introspecção do protagonista e sua luta com a prosopagnosia.
Por Susana Vernieri, escritora, poeta e jornalista
Foto Divulgação
