Quando mais jovem, meu comportamento era bem diferente. Eu era mais aberto a novas amizades, a conhecer gente diferente, a ajudar o outro e a disponibilizar minha escuta.
Não me tornei antissocial, longe disso. Mais caseiro, talvez. Ainda mantenho, porém, habilidades sociais, muito melhores — diga-se de passagem — das de muita gurizada dessa nova geração, cuja atenção está cada vez mais sugada pela internet e pelas redes sociais. O que ocorre comigo nada mais é que o processo natural de ficar mais seletivo quando amadurecemos.
E, após assistir ao estrondoso sucesso da série Bebê Rena, é um grande alívio estar nesta fase de vida em que sou um tanto mais, hum, digamos, reservado.
Bebê Rena conta a história do personagem Donny Dunn, um comediante irlandês que vai tentar a carreira em Londres. Ele acaba se envolvendo em um caso de perseguição, após ser vítima de abuso sexual por um roteirista de comédia que prometeu oportunidades na indústria do entretenimento. A série é apresentada como uma história real. Mas eu classificaria melhor como inspirada no caso verídico do próprio autor, o humorista, ator e roteirista Richard Gadd, que escreveu a obra e fez o papel do personagem principal. Ou seja, interpretou ele mesmo, em uma versão adaptada, com outro nome, inclusive.
Tudo começa com uma gentileza, quando Donny oferece um café por conta da casa, no pub onde trabalha, a uma mulher tristonha, solitária e extremamente carente. Na série ela se chama Martha.
Está certo que se pode aprofundar uma discussão acerca do quanto Donny estava vulnerável por conta do abuso. E do quanto era, na verdade, tão carente quanto Martha, o que explica por que ele seguiu dando abertura a ela, mesmo esta tornado-se uma perseguidora doentia. E bota doentia nisso.
Para se ter uma ideia, aí vão os números da “Martha da vida real”: ela mandou a Richard Gadd 41.071 emails, 350 horas de mensagens de voz, 744 tuítes, 46 mensagens no Facebook, 106 páginas de cartas e diversos presentes. Pois é.
Voltando ao assunto “deixar de lado os traumas de Donny que o fizeram permitir que Martha invadisse sua vida”, o que me assustou na série foi conseguir me imaginar nesta situação. Não sofri os abusos que traumatizaram Donny, não é isso. Mas, parafraseando Mariana Bertolucci, eu também já fui “para-raio de louco”. Isso me deixou um pouco vacinado pra farejar gente doida. Não muda, entretanto, o fato de eu seguir atraindo seres humanos esquisitos.
Será que passo uma imagem vulnerável? Com meu um metro e meio, aparentando ser mais novo do que realmente sou, provavelmente sim. De qualquer forma, atualmente, consigo dar um chega pra lá em malucos que, do nada, aproximam-se e tentam abrir terreno. Aprendi com a série que ser assim me coloca em uma posição mais protegida.
Bebê Rena é uma das melhores coisas que assisti este ano. E, se não entendeu o título deste texto, assim que assistir à série, você pegará a referência. É isso.
Enviado do meu Iphone.
Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio
Nesta semana, o podcast Bá que Papo entrou no universo sombrio e angustiante da série Bebê Rena, criada pelo comediante escocês Richard Gadd e baseada em sua história real de perseguição e abusos. O sucesso da Netflix é um dos assuntos mais falados nos últimos dias. Ouça agora no Spotify clicando aqui.
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