Li uma frase uma vez que gostei muito: beleza até pode colocar a mesa, mas a esperteza é que fica para o jantar. Achei pertinente, já que nunca me considerei uma beldade. Minha mãe me chamava de charmosa quando era adolescente. Traduzindo: eu não era linda. Também nessa época essa palavra não era tão banalizada como é agora nas redes sociais. Basta uma foto nova e nos comentários tem uma enxurrada de elogios, acompanhados de palminhas. Ninguém que posta selfie espera menos.
Volta e meia implicava com meu nariz. Até pensei em fazer uma plástica. Só que daí deixaria de ser o Meu Nariz. E eu e ele temos uma convivência estreita de tantos anos. É um espelho de meus ancestrais árabes. Não conseguiria abandoná-lo a essas alturas. Me apeguei a seu jeito fino e meio comprido de ser. Na verdade, não me reconheceria sem ele.
Uma vez tive um namorado que foi uma paixão enlouquecida. Havia encontrado meu ideal de beleza. No início, achei que era muito para mim. Aos poucos, fui me desapaixonando. Ele não tinha senso de humor, faltava uma inteligência naquele corpo sarado, uma faísca no olho que encantasse. Faltava a esperteza, no bom sentido.
Estou falando de beleza porque essa semana li a notícia de uma jovem que morreu fazendo uma cirurgia estética. Minha sobrinha também me mostrou um instagram de uma mulher que foi modelo internacional e agora só posta fotos fazendo caras e bocas. Realmente, muito bonita. Mas era só isso. Não tinha um pingo de um conteúdo que fosse mais relevante. Fiquei pensando no potencial dela. Tem marca de cosméticos com seu nome. Poderia influenciar outras pessoas a serem empreendedoras. Poderia estar dentro de um projeto social ou ambiental fazendo algo para que o Planeta fique melhor. Mas, não. Pareceu uma pessoa que entrou cedo em uma carreira de modelo e agora vive uma adolescência tardia. E tem milhões de seguidores. Grande parte adoraria ser ela.
Como é comum nesse nosso mundo a busca incessante pela beleza, não? No fundo existe uma crença de que ser bonito abre portas. Não preciso ser mais nada. Nem ser gente boa. Posso ser apenas lindo. Isso é um passaporte para ter boas relações, carreira e outra palavrinha mágica: sucesso. Não preciso me puxar para evoluir como ser humano. A mesa está posta para mim.
Por trás de tanta necessidade de beleza, de ter um rosto e um corpo perfeitos, há a necessidade de ser aceito. Ser amado, admirado. Só que às avessas, pelo invólucro. Mas e por dentro? Como me sinto? Quem eu sou? O que multiplico daquilo que tenho de melhor? Conheço várias pessoas que quando falam se iluminam. Ou que têm atitudes lindas. Se cuidam, claro. Tentam ser a melhor versão delas mesmas. Mas não só na estética.
Dá trabalho aprender a fazer essa ponte entre o nosso interno e o externo e ser coerente entre fala, escuta e atos. É preciso desenvolver maturidade emocional para esse básico. A vantagem é que saber quem sou me poupa de seguir modelos. Fazer esse mapeamento interno ajuda a encontrar atalhos, não cair na armadilha da culpa, da manipulação alheia. Evita que a gente carregue a bagagem que não nos pertence. Como consequência, seguimos mais leves.
Não tem cirurgia que conserte nossos traumas, apegos e medos. É preciso estar atento e forte e buscar respostas. A gente vai se trabalhando e uma hora vem um insight. A consciência sobre algo que estamos querendo resolver há tempos se faz. Esse processo não é visual. Está mais para aceitação de si mesmo e de nossas imperfeições e também de declarar ao mundo: sim, este é meu nariz e eu meto ele onde quiser!
Liège Alves, jornalista, terapeuta floral e mestre em rakiram
Vou meter o meu nariz, que é discreto e passa despercebido, mas que cheira muito bem aquilo que lhe faz bem, como por exemplo, essa excelente reflexão.