Os cachos deram lugar a respeitáveis barba e cabelo grisalhos. Já o brilho azul dos olhos e o sorriso rouco de Marcelo Ruschel seguem idênticos. Criado pelos avós, Lygia e Waldemar, as boas lembranças da casa de veraneio da família em Belém Novo são cultivadas até hoje por ser o pedaço de paraíso escolhido pelo pai do WimBelemDon para viver. No casarão dos anos 30, onde passou verões com primos e amigos, churrasqueando ao pôr do sol. Entre a Zona Sul, o Juvenil e o Anchieta, a adolescência foi clicando colegas, as primas bailarinas e a turma de raquete ou prancha.
Como tudo que faz, meteu a cara, saiu fotografando o emblemático primeiro Rock in Rio e o que mais pintasse. Passadas 35 Copas Davis, o autor de registros históricos do tênis brasileiro só tem olhos para as centenas de “filhos” que a vida lhe deu: “Uma menina do projeto faz Educação Física na Sogipa e já é árbitro de linha profissional de tênis. Sou milionário por isso”. A fortuna de Marcelo está em cada uma dessas histórias. Por isso deixou a sólida carreira fotográfica para focar só na ONG que criou há quase 25 anos, ao lado da parceira de vida e de causa, Luciane Barcelos da Silva. São centenas de crianças e jovens que ficam lá até 18 anos, aprendendo, inglês, matemática, português e cinema e com acompanhamento psicológico.
Ajudado por amigos como Renato Rizzo e Rafael Mottin, criou Conselhos Deliberativo e Fiscal para planejar estrategicamente o crescimento: “Com excelência social e profissionalizando ainda mais, vamos replicar a ideia em outros lugares”. Alguém dúvida?
Como é dar conta desse projeto tão importante? A ONG é conhecida por amantes do tênis no mundo todo. Eu e minha mulher temos um salário-simbólico e a obrigação de seguir adiante…
Sonho? Replicar a ideia com metas concretas. Almoçam e lancham aqui cerca de 100 crianças e a importância que isso têm para elas é mais do que um sonho, é obrigação nossa. Sou um sonhador incurável.
Quais os ingredientes do trabalho social? Coração, cratividade e boa vontade. Nem dinheiro é necessário para começar. Temos que fazer, não tem palavras para descrever o que acontece num sorriso, num olhar de gratidão desses meninos.
Alguma história especial que te emocionou? Atendemos sempre mais de 15 crianças abrigadas (órfãos ou por maus tratos) e uma menininha um dia me olhou e disse: “Posso te pedir uma coisa? Tu me adota? Respondi que escolhemos ajudar bastante crianças, ao invés de só algumas… é duro.
Defeito e qualidade? Perfeccionismo para os dois lados, ser obcecado, frustra. É um defeito, fica teimoso.
Quem admira? Meligeni e Thomaz Koch.
Arrependimento? Nada. Fiz cagada, vou continuar fazendo, porque não sou perfeito. Errar e crescer com os erros. Talvez não fizesse de novo, se pudesse.
Você daqui a 10 anos? Sem dúvida, perto dos alunos que eu conheci aos 6 anos e feliz. Toda a criança tem um sonho e a capacidade de buscá-lo, o tênis é o meio, não é fim.
Por Mariana Bertolucci