Viés de confirmação, segundo esta reportagem da Veja, é a tendência cerebral humana para aceitar informações que confirmem nossas crenças pré-existentes; e de repelir as que vão contra as nossas próprias crenças. Somos, por isso, de acordo com esta outra matéria também da Veja, predispostos a crer em relações de causa e efeito inexistentes. Pela mesma razão é tão grande a disseminação das notícias falsas, ainda que não façam muito sentido.
Um exemplo de viés de confirmação que levou muita gente a relações de causa e efeito ilusórias, e, claro, o afastamento dos fatos concretos, foi a rivalidade criada entre a tragédia no Rio Grande do Sul e o show da Madonna no Rio de Janeiro. Para além da ironia de a maior catástrofe climática do estado ocorrer no mesmo dia em que o espetáculo foi realizado, trata-se de dois fatos independentes um do outro. E o que isso tem a ver com o viés da confirmação? A desinformação, de cunho político-ideológico, para criar uma impressão coletiva de que os recursos destinados ao estado do Rio Grande do Sul foram menores por conta de Madonna. Que sua performance escandaliza. Que é um ritual macabro e sexualizado. E que, assim sendo, temos o grande inimigo a combater, aquela responsável por toda a desgraça ocorrida no Brasil no último fim de semana.
Parece insensibilidade uma artista internacional ignorar completamente um evento climático em um lugar, enquanto faz um show em outro lugar? Sim. Ela poderia ter citado o Rio Grande do Sul? Poderia. Tal comportamento pode ser tema de reflexão e descontentamento? Pode. Há uma relação de causa e efeito neste caso, ou seja, uma ação interferiu na outra? Não.
Segundo informação do governo fluminense, o show de Madonna atraiu 150 mil turistas nacionais e internacionais ao Rio de Janeiro. O evento movimentou cerca de R$ 293 milhões na economia local — sem investimento do governo federal, diferente do que foi disseminado, e sim com recursos da iniciativa privada e dos governos municipal e estadual. Focar nossa ira em Madonna, portanto, me parece sensato? Não.
Lembra que o viés de confirmação, além de nos fazer criar relações de causa e efeito irreais, nos faz rejeitar os fatos verdadeiros? Pois bem.
É provável que muita gente que ficou com raiva de Madonna não tenha se questionado por que o governo estadual do Rio Grande do Sul destinou somente 0,2 por cento do orçamento para a adaptações climáticas, por exemplo. Ou por que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, em março deste ano, o projeto de lei (PL) do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que permite livre exploração em “áreas não florestais” — como campos nativos da Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado e Caatinga — independente da presença de vegetação nativa, em terrenos utilizados até julho de 2008 (marco temporal instituído no PL). Ou, ainda, por que foi ignorado o ofício enviado poucos dias antes das chuvas pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) com o título “Alerta ao Estado do Rio Grande do Sul e ao Governador do Estado”, entregue no dia 26 de abril, com o objetivo de avisar o governador de que o mundo “está enfrentando uma crise climática”.
Tu podes não gostar de Madonna. Podes estar triste e desolado. Eu também estou. Todos nós, gaúchos, estamos. Exatamente por isso precisamos, neste momento, focar no que realmente importa e se apropriar do apropriar do bom senso, da solidariedade e da bravura. E mais: precisamos prestar atenção naqueles que estão legislando e governando em prefeituras, estados e no país.
Se continuarmos minando câmaras de vereadores, prefeituras, assembleias legislativas e congresso com representantes que negam a ciência e a crise climática, e acham que afrouxar as leis ambientais para a boiada não trará consequência, vocês sabem qual será a relação causa e efeito. Ouça agora no Spotify clicando aqui. Para ler outros textos da coluna Bá experiência, acesse este link.
Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio
Nesta semana, no podcast Bá que papo, conversamos com Daniela Vianna, jornalista, pesquisadora, comunicadora climática, gaúcha, mãe do Arthur e pós-doutoranda do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, sobre mudanças climáticas. Ela nos ajudou a entender um pouco os fatores que culminou na maior tragédia climática do Rio Grande do Sul.