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Coluna: Ana Mariano fala sobre melancolia na arte de escrever, família, Papa Gregório e Bob Marley

caderno, caneta e café

Melancolia

Sou melancólica por parte de pai — nasci desse jeito, é defeito de família. Assim como os olhos azuis, que não temos, ou a dificuldade para engordar, que também não temos, a melancolia é um gene transmitido entre nós de pai para filho — de geração em geração.

Uma vez que não podemos fugir dela — seguindo o exemplo do nosso avô, cujo trabalho de conclusão do curso de medicina, no final do século XIX, foi justamente melancolia — decidimos aceitá-la, honrá-la e respeitá-la como característica familiar per saeculum saeculorum.

(Curiosidade: foi o Papa Gregório I quem, no final do século VI, diferenciou a “melancolia” da “preguiça” e a retirou da condição de pecado capital. Sabiam disso?! Eu fiquei sabendo há pouco tempo.)

Se, por um lado, ser melancólico é bom para quem escreve — a escrita é feita de detalhes e os eufóricos raramente repararam neles — por outro, nós, os melancólicos, costumamos ter uma tendência à apatia e, assim, a cada manhã, preciso encontrar uma razão bastante forte pra sentar-me à mesa de sempre e começar a escrever.

Escrever não é fácil; fácil é desistir. Ampliando um pouco: viver não é fácil, e envelhecer não é pra qualquer um. Tudo bem, concordo — viver é mais do que envelhecer, mas nós, os melancólicos, costumamos dar ênfase a esse aspecto desagradável do processo, que, como sabemos, é um dos responsáveis pela grande rotatividade nas prateleiras de livros de autoajuda, uma rotatividade de dar inveja a qualquer casa de tolerância.

Todos falamos mal da autoajuda, mas um defeito que não podemos atribuir a ela é o da não diversidade.

Melancólica desde criança, posso assegurar a vocês que as frases destinadas a fazer com que nós, os melancólicos, decidamos deixar as desculpas de lado para começarmos a agir são de todas as formas, tamanhos e condições sociais. Podem ser poéticas como essa de O Pequeno Príncipe (Saint-Exupéry): “É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas”; Fáceis, como em Paulo Coelho: “Por medo de diminuir deixamos de crescer, por medo de chorar deixamos de rir”; Ou absolutamente imprevisíveis, como essa de Bob Marley: “Um dia vou morrer (afinal, todos irão morrer), alguém vai me colocar debaixo da terra, um fazendeiro muito louco vai me adubar e me transformar num lindo pé de maconha, e assim vou saber que continuarei fazendo a sua cabeça”.

Dá pra ser melancólica depois disso? Só com muita força de vontade.

Por Ana Mariano

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