Perguntaram a um monge budista como se sentia aos 90 anos. Ele respondeu: “não tenho 90 anos. Esses já passaram, e eu nada posso fazer com relação a eles; o que eu tenho são os 8 anos que eu planejo viver doravante”. Diante disso, constatei que já tinha passado dos oitenta e nunca raciocinara com tanta clareza e simplicidade sobre passado, presente e, especialmente, futuro.
Ao contrário, nas minhas reflexões, até então, afloravam fantasmas do ocorrido, e nuvens cinzas pairavam sobre as perspectivas do amanhã. Rebuscava lá atrás tudo o que de errado eu supunha ter feito. Teria tido mais êxito pessoal e profissional caso…
Elencava episódios e situações desagradáveis como se apenas estas povoassem minha existência. Que barbaridade! Não mais posso correr pelas ruas depois de percorrer milhares de quilômetros mundo afora durante 50 anos! Tomo uma dúzia de remédios por dia para me manter de pé. Tenho insônia etc.
Aliás, num exame de consciência, sempre prevaleceu — e continua na liderança — o que de negativo vinha à lembrança. Era a malsinada cobrança da culpa como legado milenar incorporada à humanidade pela doutrina judaico-cristã.
Estudei em colégio de irmãos lassalistas. Tudo era pecado, confissão e penitência. Saí de lá com um passivo de uma tonelada sobre cada ombro. Dessarte, esse distorcido conceito colaborou para que me tornasse cético e afastado de qualquer seita. Coisas boas e sucesso pretérito, com certeza mais numerosos e qualificados do que os defeitos, nem pensar! Características como honestidade, decência, solidariedade, responsabilidade, entre tantas, não passavam de mera obrigação — não mereciam um papel relevante na história de uma vida. O flagelo da culpa sempre em primeiro lugar.
Tudo errado! Embora com atraso, absorvi a lição do sábio oriental e concluí que, realmente, o que interessa são os oito anos (ou algo mais) que eu presumo viver com razoável autonomia física e mental. Tenho uma penca de bons amigos; uma família amorosa que me encanta mister pela sua normalidade, pois nela a turma se relaciona com alternância de arrufos e carinhos, porém sem prejudicar o princípio de união. Posso fazer aeróbica e fisio na Cia Vital, ao lado de casa.
Minha cabeça funciona a mil e trabalho com prazer e disposição. Acrescento que a conversa de que a terceira (ou quarta) idade é a melhor é balela! Mas também não é uma tragédia. Qualquer período vital pode ser positivo se soubermos administrá-lo, tirando dele o melhor proveito possível.
Foi com essa nova percepção sobre o fenômeno da existência que olhei no espelho e exclamei: “Fernando, para de te lamentar. Toca em frente, porque tu tem muito amor para dar e receber e muita coisa boa pra fazer e desfrutar! Em vez de ressaltar o negativo do passado, foca no que de melhor vier a acontecer e aproveita integralmente os momentos felizes vindouros”.
É acaciano que não nos corresponde responsabilidade pelo início da passagem pela Terra. Entretanto, o seu desenvolvimento e conclusão a nós pertencem. Por essa razão, penso que, para trilharmos os nossos caminhos até o fim da maneira mais propositiva possível, devemos pegar com as duas mãos e valorizar de peito aberto características e qualidades, tais como esperança, intensidade, estímulo, paixão e sonhos.
Ao finalizar, gizo o sábio ensinamento do monge budista no sentido de que, na verdade, o que importa é o porvir, e não o que já se foi. Vale a pena viver a vida enquanto a vida tem vida!
Fernando, sempre bom ouvir ou ler tuas sábias palavras. Parabéns. Que o porvir venha com lucidez, muita saúde e mais amor. Saudades.