Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio
Quando assisti ao comercial para celebrar os 70 anos de presença da Volkswagen no Brasil senti um desconforto. Mas não entendi na hora o motivo. Só achei a propaganda estranha.
Talvez, pra mim, não fosse possível alcançar algum tipo de emoção ao assistir uma cena tão bizarra. Irreal. Artificial. Mesmo sabendo que teria potencial para despertar sentimentos ao promover o “reencontro” entre Maria Rita e Elis Regina. Foi o que pensei. E só.
No transcorrer do 4 de julho, porém, foi impossível não seguir refletindo sobre o assunto, tamanha a polêmica formada em torno do vídeo. E, acompanhando a repercussão, me deparei com questões éticas que foram sendo levantadas. Entre elas o uso de figuras públicas mortas para servir ao mercado publicitário. E, cá pra nós, sim, há reflexões necessárias nesse sentido.
Se pararmos para pensar, não nos tornamos fãs de alguém apenas por admirar a obra dessa pessoa. Nos conectamos com nossos ídolos também porque nos identificamos com tudo o que eles representam. Suas atitudes. Seus valores. Seus princípios.
Por isso, é tão valioso para uma causa — ou uma marca — ter uma grande celebridade como aliada. Mas e quando essa celebridade não está mais aqui para decidir com quais causas e marcas deseja se aliar?
Elis Regina foi uma artista totalmente atuante politicamente como opositora à Ditadura Militar no Brasil. Em uma turnê pela Europa, inclusive, criticou o regime para uma revista holandesa, fato pelo qual ficou marcada no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), um dos órgãos responsáveis pela repressão.
No lado oposto, segundo um relatório final do Ministério Público divulgado em março de 2021, a Volkswagen teve uma importante participação na Ditadura Militar. Por vontade própria, de acordo com o documento, a montadora chegou até a estabelecer uma relação de contribuição com órgãos de repressão política contra opositores ao regime.
Seria motivo suficiente para, se ainda estivesse viva, a Elis Regina não querer se vincular à Volkswagen? Ela, se pudesse escolher, aprovaria esse projeto com sua imagem, trazendo a letra de Como Nossos Pais totalmente fora de contexto, já que, na verdade, a letra é uma crítica à inércia da juventude diante da violência da Ditadura Militar? Não sei.
A própria Globo foi também apoiadora da ditadura. Em um editorial de outubro de 1984, Roberto Marinho confirmou a posição pró-militares da emissora. Dez anos após a morte dele, o Grupo Globo postou um texto no qual admitiu ter sido um “erro” apoiar o regime antidemocrático. O texto da retratação foi lido no Jornal Nacional.
Sabendo disso, questionamos ou acusamos de hipocrisia quando figuras que foram até exiladas durante a ditadura aparecem na TV Globo? Não, não fazemos isso. Mas a questão aqui é: tratando-se de uma celebridade morta, ela aprovaria determinado projeto? Nunca saberemos.
Na dúvida, o mais sensato a se fazer, em minha opinião, é respeitar a memória e o legado de quem se foi, não fazendo esse tipo de coisa. Além do mais, vamos combinar. Fora toda essa questão ética e moral, o comercial é estranho sim.
Esta semana, no podcast Bá que papo, falamos sobre a polêmica em torno do comercial da Volkswagen e comentamos também o vídeo da atriz Carolina Ferraz, em que ela critica a positividade tóxica.
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Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio