Dia desses fui convidada para ser a madrinha de uma turma que este ano termina o ciclo da Educação Infantil. Eu já sabia, porém, cheguei na sala de aula deles e fiz de conta que não imaginava do que se tratava. Ao sentar com as crianças na roda, vi aqueles olhinhos brilhando e que tudo já havia sido combinado previamente com a professora deles. Então, um falou um pouco, outro falou mais um pouco, até que um me entregou o convite formal — escrito por eles. Nessa hora, me derreti toda! Pelo convite, é claro, mas mais ainda por ver que já estão se alfabetizando.
Sou privilegiada de ver, ano a ano, crianças começando a caminhar e a ler. Duas coisas decisivas na vida de uma pessoa, além de tantas outras que a gente sabe, mas isso são outras histórias.
Após eu ler o convite e responder com um baita SIM, começamos a conversar sobre como seria esse evento de encerramento do Jardim B (último ano da Educação Infantil). Aqui vale um parêntese: eu gosto de chamar de “cerimônia de encerramento”, os pais chamam de “formatura”. Ah, nós, pais, às vezes carregamos tantas expectativas em relação aos filhos. Quem nunca?
Mas, em se tratando da educação infantil, precisamos de alguém ou “alguéns” que nos deem um certo limite. No caso, muitas vezes, na minha profissão, cabe a mim fazer isso.
Voltando à nossa roda de conversas e combinações sobre o dia do encerramento, uma aluna de cinco anos, me disse: “Vavá, a gente quer que toque funk nesse dia.” Outras meninas, que estavam por perto, também disseram que queriam funk. Do outro lado da roda, um menino me disse: “Eu quero que a gente mostre a bunda,” e todos riram.
Esses momentos de conversas livres são muito importantes, por mais que às vezes nos impactem. Educar é um exercício exaustivo e nem sempre os filhos nos dizem aquilo que gostaríamos de ouvir. Mas como orientar e educar se não damos espaço para que digam o que pensam?
Passado um curto tempo entre as risadas e a associação deles entre o funk e a “bunda” — que, aliás, tem tudo a ver, já que dançar funk requer rebolado e, às vezes, as “bundas ficam de fora” —, eu precisava retomar a conversa, afinal, o papo era com crianças de cinco e seis anos e ali, eu era a adulta que precisava orientar o diálogo.
Mas como falar com eles sobre esse assunto? Ou melhor, como falar com as crianças sobre qualquer assunto difícil ou constrangedor? Quem nunca passou, ou vai passar por isso?
Foi então que me ocorreu uma ideia: Eu falei: “Pessoal, vamos brincar de imaginar?” Eles toparam. Então eu disse: “Imaginem eu chegar aqui na sala de vocês, usando fraldas, chupando bico, segurando um paninho (aquelas naninhas que os bebês usam), com lacinho no cabelo e vestindo uma camiseta da Peppa Pig.”
Todos morreram de rir.
E eu perguntei: “É engraçado?” “Siiiim,” a maioria respondeu. Outros falaram, “É ridículo,” e alguns disseram, “Não pode, tu é adulta.”
E eu: “Ahhh, entendi.”
“Então acho que vou conseguir explicar para vocês porque não teremos funk no encerramento da turma: é uma apresentação de crianças e o funk é para quando vocês forem maiores e se gostarem desse estilo de música. Assim como eu me vestir de bebê não é adequado para mim, que sou adulta.”
E assim, juntos, pudemos iniciar um planejamento sobre o que eles gostariam de fazer nesse dia.
Como bem dizia o educador e psicólogo Lev Vygotsky, “O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo pelo qual as crianças crescem ao internalizar interações sociais.” Esse momento de conversa é fundamental, pois são nessas interações e diálogos que as crianças compreendem, testam e internalizam regras sociais e culturais.
Através do diálogo respeitoso e afetivo, é possível estabelecer limites e orientar o comportamento de forma adequada, sempre considerando a fase do desenvolvimento em que estão.
Valesca Karsten
Educadora e proprietária da Escola de Educação Infantil Caracol, Porto Alegre e idealizadora do Podcast PodeMãe.