Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio
É impressionante como somos condicionados a encontrar significados místicos para os acontecimentos. Isso, claro, quando não se é ateu, cético nem agnóstico, assim como eu não sou.
Por isso, no momento que encostei as mãos no teclado para escrever, meu computador ficou em tela preta. Logo, pensei se haveria alguma força oculta infeliz com o que eu tinha a dizer. Em seguida, evidentemente, parei de pensar bobagem. E tomei emprestado o computador do meu marido, Rodrigo. Até porque não é a primeira vez — e provavelmente não será a última — que o meu notebook decide travar e me deixar enfurecido.
Enquanto escrevia, por volta das 14 horas desta quinta-feira, 2 de novembro, uma chuva fina passou a cair em Porto Alegre. Meu pensamento, de imediato, foi: “dia de finados, sempre chove’’. E me questionei, de novo, até que ponto colocamos significados sobrenaturais para encontrar respostas para o desconhecido, o inexplicável, o mistério.
Uma amiga de infância, que é iniciada em alguma religião de matriz africana desde muito jovem, certa vez me disse que gostaria de não acreditar em nada. “Se eu sair na rua, tropeçar e cair, vai ter alguém com alguma explicação espiritual pra isso.’’ O que me leva, novamente, à mesma pergunta: qual o limite entre o milagre e o surto coletivo?
João Teixeira de Faria, fundador da casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO), ficou conhecido popularmente como João de Deus, e internacionalmente reconhecido por seus supostos dons sobrenaturais de cura. Recebeu artistas nacionais, como Fábio Assunção, Cláudia Raia, Giovana Antonelli, Juliana Paes, Camila Pitanga, Bárbara Paz, Marcos Mion, Cissa Guimarães e Bruna Lombardi. E personalidades internacionais, como a apresentadora Oprah Winfrey e a modelo Naomi Campbell.
O mesmo João que enfrentou acusações de charlatanismo, curandeirismo e exercício ilegal da medicina nos anos 1970. E que foi condenado a mais de 118 anos de prisão por crimes sexuais, dentre eles estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude. Um caso chocante, revoltante e repugnante, retratado na série João sem Deus, produzida em uma parceria entre GloboPlay e Canal Brasil. Marco Nanini interpreta o suposto médium, e o elenco conta ainda com Carine Teles e Bianca Comparato.
A obra é de ficção, porém baseia-se nos fatos reais, a partir dos depoimentos das vítimas que sofreram abuso na instituição. E levanta dúvidas sobre o poder da manipulação da fé. O que acontecia na casa Dom Inácio de Loyola? Alguma interferência sobrenatural ou manipulação da mente humana? Estamos facilmente condicionados a acreditar em algo inexistente?
O caso de João Teixeira de Farias, mais do que todos esses questionamentos, traz também um alerta. Existem muitos joãos, em todos os lugares, cometendo crimes em nome de Deus. E não se trata de um manifesto ateísta ou de intolerância religiosa.
É sobre ter um olhar mais atento para o que se oferece por aí em nome de um ser superior. Até porque, como mencionei no início deste texto, não sou ateu, cético nem agnóstico. Mas fatos são fatos.
No podcast Bá que papo desta semana, falamos sobre as revelações da autobiografia de Britney Spears, a morte de Matthew Perry, o Chandler da série Friends, e a série João sem Deus. Ouça agora no Spotify ou na sua plataforma de áudio preferida. Links na bio.
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Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio