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Júlio de Castilhos, hieróglifos e o tempo de ler

Ângela Ravazzolo

Guardo muitas memórias maravilhosas do tempo de escola, de faculdade, mestrado e doutorado, mas uma dessas experiências em especial tem me martelado a mente nas últimas semanas. Foi no começo dos anos 2000, em uma das disciplinas do Mestrado em História, quando a professora Margaret Marchiori Bakos nos apresentou a proposta: lermos juntos um único livro, ao longo de todo o semestre, por partes, sem pressa. A obra escolhida foi Júlio de Castilhos e Sua Época, de Sérgio da Costa Franco. Nunca esqueci daquelas aulas: ler devagar, com atenção, com tempo para pensar e compartilhar. No lugar de uma lista gigante de referências obrigatórias, o semestre foi pautado por um ritmo de leitura particular, diferente do resto. 

Parece óbvio, uma ideia simples, e é. Pois passaram-se quase duas décadas, e reencontrei a professora entre os livros de sua biblioteca e as anotações das pesquisas que desenvolve. Foi em janeiro, uma conversa sem pressa, dispersa até, e que me fez lembrar daquele semestre. Especialmente porque me dei conta de que há tempos não leio lentamente, saboreando e dividindo palavras sem horário marcado. A visita à professora me trouxe a saudade da leitura lenta e atenta.

A historiadora Margaret, que atuou como professora na UFRGS e na PUCRS, tem o dom de falar sobre seus objetos de estudo com tranquilidade e paciência, mas sem esconder uma curiosidade constante e inquieta. Autora de livros como Fatos e Mitos do Antigo Egito e Porto Alegre e seus Eternos Intendentes, na época aos 72 anos era professora convidada da Universidade Estadual de Londrina e seguia buscando histórias em meio a documentos e livros. Apaixonada pelo Egito, debruçou-se sobre as cartas trocadas entre um escriba egípcio e seu filho por volta do ano 1300 antes de Cristo, durante um período de guerra, em que o pai estava distante, no front.

O trabalho para traduzir os hieróglifos desse tipo de documento pode levar semanas, meses. Como uma das estudiosas pioneiras do Egito no Brasil, Margaret conhece essa linguagem e encontrou nas cinco cartas de pai para filho rastros e relatos interessantes sobre o cotidiano de uma sociedade que costuma ser lembrada pela riqueza dos faraós e pelos monumentos de cartão-postal. No texto do escriba Dhutmose, conselhos de um pai preocupado com o bem-estar da família, se as crianças estavam bem vestidas, recebendo alimentação e educação.

“A esposa dele era jovem, então ele estava preocupado com ela. Cuide bem, que ela tenha roupa, que ela tenha comida, que não falte nada para as crianças. Ele estava sendo pai de novo, o que era muito raro. São bem pessoais”, conta a professora.

Margaret encerrou a pesquisa com as cartas, mas não pretendia e jamais deixou de lado o olhar cuidadoso que traz ao século XXI cenas e personagens da antiga civilização. No blog rosettadosventos.com.br, o leitor encontra parte dessas descobertas, além de textos, imagens, informações recentes. Perambular pelo blog é também uma forma de apreciar essa generosidade da professora que me ensinou, entre tantos temas, a importância de ler principalmente com qualidade e intensidade.

Perceber a urgência de criar tempo para a atenção, seja para traduzir hieróglifos, seja para trocar ideias sobre uma história distante ou recente, faz todo sentido diante da velocidade e da superficialidade tentadoras. É preciso também ler devagar. O convite não é meu, foi feito pela professora Margaret. Simples e óbvio, fácil de decifrar.

Foto Bianca Pasetto

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