Sempre me incomodou a expressão popular “o amor é cego”. Não é. Nunca foi. Aliás, quanto mais olhos, bocas e ouvidos abertos, melhor. Principalmente porque essa frase me parece mais aceitável nos casos em que as prejudicadas são as mulheres.
Quando eu era criança, um homem da minha família — considerado atraente por todos — tinha um relacionamento com uma menina avaliada, maldosamente, como uma mulher de beleza mediana. Ninguém via futuro no envolvimento dos dois. “Fulana não é bonita o suficiente para ele”. Fulano é tão bonito, merece coisa melhor”. De tanto ser aconselhado, ele acreditou que era bonito demais para ela e o namoro acabou.
Eu pensava na época: “As pessoas fariam o mesmo juízo se fosse o contrário, ou seja, uma mulher muito bonita e um cara desprovido de tal atributo?”. Claro que não julgariam da mesma forma. Justificariam com argumentos do tipo: “Ele é legal, a o caráter a beleza interior importam mais”. E, claro, trariam a máxima: “o amor é cego”.
Entretanto, essa crença de que supostamente o amor é cego não se restringe à beleza física. Um sentimento cego, afinal, pressupõe que não conseguimos enxergar os defeitos do outro. E, muitas vezes, os defeitos mais danosos não são aqueles que saltam aos olhos. Aí que mora o perigo. Moral da história: esquecendo a questão da beleza física, presenciar relacionamentos abusivos e afirmar que o amor é cego é tão absurdo quanto utilizar àquela outra frase antiga e tenebrosa: “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.
Quando assisti ao reality Casamento às Cegas, inicialmente achei interessante a proposta. Colocar gente em busca de um cacho para se conhecerem, sem revelar a aparência física — e depois de formados os casais apaixonados exibir um ao outro — é, de fato, um experimento. Mas não foi uma conexão construída às cegas realmente. Se foi, está errado, porque há muito o que se pode ver além do que os olhos podem mostrar.
É possível “vermos”, eventualmente, a índole de alguém somente com um telefonema, por exemplo. E, caso nos enganemos, logo a verdadeira natureza da pessoa aparece. A não ser que tu caias na ilusão de que vais conseguir mudar alguém com o tempo, ou não saibas mais desvencilhar-te dessa pessoa. Cuidado. Não existe amor cego, existe apego, abuso e dependência emocional. E, nos casos em que a beleza física não é o ponto forte da pessoa amada, existe gostos estranhos e valores mais importantes que aparência também.
Por isso, reafirmo: para o bem e para o mal, o amor não é cego.
Esta semana, no podcast Ba que papo, recebemos nossa amiga e jornalista Júlia Zago, para conversarmos sobre a quarta temporada do reality Casamento às Cegas Brasil. Ouça agora no Spotify clicando aqui. Para ler outros textos da coluna Bá experiência, acesse este link.
Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio