Eu não lembro bem se tinha 6 ou 7 anos. Lembro que era Carnaval e eu queria ir ao baile infantil vestida de chacrete. Aqui vale uma explicação: chacretes eram as dançarinas do programa do José Abelardo Barbosa de Medeiros, carinhosamente chamado de Chacrinha. Ele animava as tardes de sábado com o seu programa Cassino do Chacrinha, exibido originalmente entre 1982 e 1988 na TV Globo. O programa foi um grande sucesso e marcou a televisão brasileira com seus bordões, trocadilhos, assistentes conhecidas como chacretes e a participação de artistas famosos da música.
Eu assistia ao programa, mas o que mais me encantava eram as chacretes. Elas se tornaram um símbolo da cultura pop brasileira nos anos 60, 70 e 80, vestindo figurinos chamativos e coreografando danças animadas durante as apresentações musicais.
Naquele Carnaval, minha mãe estava hospitalizada. Eu não entendia bem o que ela tinha. Visitava-a todos os dias e a achava bem, cheirosa… só um pouco triste. Sábias são as crianças. Muitos anos depois, ela me contou que atravessava uma depressão e precisou ficar internada por alguns dias para receber mais cuidados. Mas, na época, meu pai me disse apenas que ela tinha um probleminha no pulmão.
Voltando ao Chacrinha, mais precisamente às chacretes. O fato é que eu queria muito ir ao Carnaval infantil, no sábado à tarde, com minha mãe e vestida de chacrete.
Antes de ir para o hospital, minha mãe fez minha fantasia. E era linda! Vermelha, feita de fitas largas de cetim, como um vestidinho, com pompons de lã vermelha na ponta de cada fita. Tinha uma calcinha larga, tipo shortinho, com elástico nas pernas para não apertar, uma faixa vermelha tomara que caia no peito e um laço de fita com pompons para a cabeça. Eu me achei maravilhosa naquela fantasia. Era de verdade. Era minha.
Lembro bem do aperto no peito ao ter que fazer a pergunta que, para mim, era muito difícil:
— Mãe, dá para eu ir ao Carnaval se tu tá no hospital?
Como educadora, escuto muitas mães. Escuto também as crianças. Existe toda uma conversa sobre a infância ser linda, cor-de-rosa, uma fase idílica. Mas sabemos que não é bem assim. “A infância, muitas vezes, traz marcas, por vezes invisíveis, que ferem, interferem. Algumas cicatrizam e são esquecidas, outras permanecem.” (Silvia Lobo)
O fato é que eu fui ao Carnaval, sem a presença física da minha mãe, mas fui com meu irmão, meu brother, que é nove anos mais velho do que eu. Desse dia, ficou o registro de uma foto: eu na garupa dele, ele com as mãos para cima, segurando firme as minhas. Meu sorriso de ponta a ponta, de uma orelhinha a outra. Na boca, a “porteirinha” aberta, mostrando que eu tinha perdido parte dos meus dentes de leite.
Valesca Karsten
Educadora, proprietária e diretora da Escola de Educação Infantil Caracol, curadora de arte para a infância e idealizadora do Podcast PodeMãe. @valesca.karsten