H

Há 10 anos Madonna estava aqui, e nós estávamos lá


Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio

9 de dezembro de 2012, Porto Alegre. Calor excessivo, movimentação intensa, trânsito acentuado. Arredores do Estádio Olímpico com sinais de caos. 

Figurinos extravagantes, drag queens, famílias. Roupas confortáveis, sombrinhas para se abrigar do sol, aroma de protetor solar e helicópteros sobrevoando a antiga casa do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. Gente chegando para juntar-se ao público acampado há uma semana na fila. 

A estreia de Madonna na capital gaúcha, com a MDNA Tour, fazia o Olímpico parecer um farol que indicava a direção para onde ir. Não era, enfim, um dia qualquer. Porque não era uma artista qualquer.

Onde você estava há exatos 10 anos? Nós, Diogo e Rodrigo — do Estúdio Telescópio —, estávamos em Porto Alegre, onde Madonna fazia show pela primeira vez (e última até hoje). E, por falar em nós, muito prazer. Este é o nosso texto de estreia da coluna Bá experiência

Foi desafiador escolher qual assunto não só nos apresentasse, mas também nos representasse. E, sim, há um motivo muito especial para termos decidido falar sobre os 10 anos de Madonna no Olímpico. Vamos contar a razão no final deste texto. 

Antes, gostaríamos de entender as razões pelas quais a nossa cidade abraçou a passagem de uma artista tão particular. 43 mil pessoas estiveram presentes e lotaram o estádio. É muito comum quem não esteve lá conhecer alguém que esteve. 

O que a cidade sentia com essa presença? O que pensava o estado e o nosso país a respeito dela?

Madonna é uma consagrada aliada das minorias, um ícone do feminismo e uma defensora da liberdade de expressão. E a MDNA Tour é uma síntese da sua estética: símbolos do cristianismo que questionam a igreja católica, sensualidade visceral, casamento intrinsecamente tratado como uma instituição falida. Em dezembro de 2012, porém, a capital do Rio Grande do Sul não tecia julgamentos morais a essas provocações. Assim como o Brasil, tolerante e encantado, assista a sua passagem. Eram outros tempos? Talvez.

Em 2012, Dalva Maria Carvalho Mendes tornava-se a primeira mulher a assumir um dos maiores cargos da Marinha brasileira. O ato alusivo ao regime militar que ocorreu em Porto Alegre pedia reconhecimento público dos Dops como locais de tortura.

O Brasil sediava a Conferência do Clima da ONU e a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). As mulheres passavam a poder optar pelo aborto em casos de fetos anencéfalos sem serem consideradas criminosas. 

Eram institucionalizadas as políticas afirmativas de cotas para universidades públicas, e a campanha de prevenção à aids do Carnaval trazia, pela primeira vez, mulheres trans em um de seus posters. A Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovava o projeto de lei para a união estável de pessoas do mesmo sexo. Pela primeira vez, o Sport Club Internacional escolhia uma mulher para um cargo diretivo.

E, pela primeira vez, Madonna trazia uma turnê a Porto Alegre. São dez fatos aleatórios, que completam dez anos em 2022. Mas a aleatoriedade é relativa. Parecia, de alguma forma, um ano progressista. Tolerante. Civilizado. Ter uma figura tão representativa neste aspecto, na capital gaúcha, brindava essa conjuntura. 

Tudo bem, nem tudo eram flores. Naquele dia, antes do início do espetáculo, testemunhamos não só a rainha do pop fazer a passagem do som, quando os portões foram abertos às 16h. Percebemos também a noite chegar e deixar um estádio inteiro impaciente pelas três horas de atraso; e muitos entoarem vaias que a mandavam “tomar naquele lugar”. 

Ficamos presos, sem conseguir nos mover, em meio à imensidão de pessoas que disputavam o melhor espaço para acompanhar o que acontecia no palco. Vimos Madonna vestir a camiseta da seleção brasileira, jogada por um fã, e sentar para reclamar do calor. 

E, o mais importante, vivemos a sensação de esquecer que relógios existem e de perdoar três horas de espera. Porque a energia do palco compensou, evidentemente. Mas não só por isso. Lembra do início do texto, quando mencionamos haver um motivo especial para escolhermos falar sobre o dia 9 de dezembro de 2012? Pois bem.

Naquelas três horas, nós, Diogo e Rodrigo, tivemos a oportunidade de conhecer um ao outro. Sim, há 10 anos éramos completos estranhos. Foram as três horas de atraso de Madonna que nos deixou à vontade para iniciar uma conversa. Para, quando finalmente o show começou, assistir à MDNA Tour. Dançar e vibrar, lado a lado. Fazer piadinhas, proferir comentários. Oferecer o ombro para o outro dar um pulinho e tentar enxergar o palco melhor.

Essas três horas que nos permitiram — incluindo a Júlia Zago, amiga de Rodrigo que foi com ele (Diogo foi sozinho, o que pode ter sido definitivo para o começo da interação entre os três) — ficar confortável para cantar juntos e revidar quem nos empurrava para roubar nosso lugar “privilegiado”, pertinho da grade.

Foi o tempo necessário para, após o término do espetáculo, ao som de Celebration, um anotar o nome do outro, adicionar no Facebook. A se encontrar na semana seguinte, namorar no ano posterior e oficializar a união em cartório seis anos depois. A abrir uma empresa juntos, a Estúdio Telescópio, e estrear hoje esta coluna, aqui na .

Obrigado, Madonna, pelas três horas de atraso.

No primeiro episódio do podcast Bá que papo falamos mais a fundo sobre a carreira da Madonna e os símbolos trazidos na MDNA Tour. Acesse este link e ouça agora no Spotify.

Bá Experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio

CategoriasSem categoria

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.