Há mais de 30 milhões de anos, o ser humano dispõe dessa mesma configuração craniofacial, em que os dentes permitem mastigar os alimentos. Ingerimos espantosa variedade alimentar que inclui frutas, vegetais, carnes e grãos, mas ninguém nos ensina a mastigar. Ensinamos nossos filhos a caminhar, nadar e falar, mas não a mastigar. Sabemos que os incisivos servem para apreender ou cortar frutas e pães, os caninos dilaceram o alimento carnívoro e molares reduzem o restante em partículas, milhares de vezes por dia. E a oclusão normal e guias de excursões mandibulares que estudamos na nossa formação, o que tem com isso? Esse é o assunto que Le Gall & Lauret discutem no capítulo Oclusão e Mastigação de seu livro. Segundo os preceitos de oclusão, os dentes devem estar devidamente articulados, mantendo as cabeças dos côndilos mandibulares em equilíbrio na área de articulação (ATM). As guias para excursões da mandíbula partem da relação centrada entre as arcadas e se deslocam para os lados, guiados pelos caninos, e para frente, guiados pelos incisivos. Os movimentos e relações dos dentes, e seus planos de mordida, durante a incisão e mastigação ocorrem em sentido totalmente oposto. Assim, as guias, caninas e protrusiva, têm utilidade em ambos os sentidos, nas forças centrífugas e centrípetas. A mandíbula se desloca do centro para fora com os dentes afastados, se aproximam para mastigar o alimento e retornam para relação centrada com as arcadas fechadas, subseqüentemente. A cinemática da incisão dos alimentos ocorre pelo deslocamento da mandíbula para frente mantendo os dentes afastados. Quando os incisivos inferiores estão já projetados, se aproximam dos antagonistas e deslizam pela face palatina dos superiores fazendo o corte. Podemos presumir que a oclusão seria a infra-estrutura e a mastigação uma das atividades possíveis de exercer com essa estrutura. A oclusão garante uma interação de harmonia entre as arcadas superior e inferior. Já o movimento mastigatório resulta de sinergias musculares recorrentes que requer habilidade motora e articulação adequada. Enquanto o lado de trabalho mastiga, o lado de balanceio repousa. Isso inclui dentes, arcadas e todos componentes envolvidos de cada lado. Por essa razão, não podemos mastigar sempre do mesmo lado. O tempo de mastigação é o que for necessário para que o alimento seja reduzido em partículas suficientemente pequenas, para facilitar a deglutição. O processo tem que ser prazeroso para estimular o tato, ao sentir a textura, e o paladar, para sentir o sabor do alimento. Isso é saúde! Fomos ensinados a escovar os dentes, mesmo que de maneira muito pesada e utilizando escovas demasiadamente abrasivas. A escovação tem sido tanto eficiente na limpeza que chega a provocar retração das gengivas. Entretanto, mastigar que é uma atividade fisiológica dos dentes, não somos treinados. O primeiro fator de harmonia estática e mastigatória é a relação das unidades dentárias da mesma arcada e entre antagonistas. Os dentes que estão em equilíbrio na oclusão poderão exercer a atividade mastigatória com facilidade. O ciclo de mastigação indica estar terminando quando as superfícies de trituração dos molares apresentam deslizamento direto no contato, iniciando a deglutição. Esse processo ocorre mais de mil vezes por dia, o que salienta a importância de relações equilibradas dos dentes. Por fim, podemos constatar de maneira objetiva o quanto o tratamento ortodôntico pode beneficiar a cinemática mastigatória, tanto quanto as outras especialidades. As guias de excursões mandibulares têm papel significativo na propriocepção motora da atividade mastigatória. Acima de tudo, devemos mastigar passivamente utilizando os movimentos certos e tornando esse momento agradável e fisiologicamente efetivo.
Por Fernando Martinelli de Lima, mestre e doutor em ortodontia pela UFRJ