Quis o acaso do destino, ou talvez minha impulsividade, que eu me tornasse uma delegada do Orçamento Participativo de Porto Alegre. Tenho diploma e tudo. Tudo começou com uma campanha da praça em que frequento com meus cães. Houve uma mobilização para que o espaço tivesse mais representantes nesse fórum da cidade. Foi um sucesso, muita gente votou e a praça passou de uma para cinco vagas de delegados. Mas na hora de decidir quem iria dispor do seu tempo e paciência para frequentar as reuniões houve aquele silêncio…É nessas horas que os impulsivos, como eu, crescem. Eles levantam a mão e dizem resignados: “tá bem, eu vou”. Tudo culpa da minha bendita Lua em áries! Isso já me rendeu em um ataque de adolescência uma vinda do Interior para a Capital aos 15 anos. Sem pais, sem conhecer a cidade direito ou ter amigos por perto. Ou seja, um pulo no abismo sem saber se o paraquedas vai abrir. Assim funciona a impulsividade. Explico isso para aquelas pessoas mais sábias que refletem cuidadosamente, medem seus passos e não se metem “de pato a ganso”.

Pois bem. Agora tenho que dar conta de reuniões longas, em noites frias, que acontecem presencialmente em um bairro próximo. Essa última característica é a melhor coisa do encontro. Mas nem tudo é derrota. Tem um lado de aprendizado nisso tudo. Estou aprendendo sobre os meandros da burocracia de uma administração pública. Os projetos propostos pelos delegados e aprovados passam de uma secretaria para outra. Às vezes se materializam, às vezes não. Só que é possível acompanhar esse processo, buscar explicação do porquê da demora, aprender a construir um projeto que possa ser exequível e que seja usufruído pela comunidade posteriormente. Enfim, participar de alguma forma. Essa é a parte interessante. Bem diferente das discussões políticas que se vê nas redes sociais que abordam os temas de maneira distante. Os que se manifestam são pessoas atrás de uma tela exibindo suas preciosas e pertinentes opiniões. Ou pior, apenas repassam conteúdos prontos, muitas vezes sem menor critério e sem checar se a informação é verdadeira e a quem interessa. Mas participar de verdade, se organizar como sociedade civil e ir atrás é coisa para poucos.

As reuniões do Orçamento Participativo não estão entre meus 30 dez mais programas preferidos? Certamente que não. Mas me dá um panorama de como ser mais engajada na busca pela cidadania.

Na última reunião descobri que após 35 anos o Orçamento Participativo não é uma lei. Na prática funciona assim. A sociedade civil se organiza, participa, propõe projetos que podem ou não ser aprovados e realizados pela prefeitura. Essas propostas passam por filtros técnicos e critérios das secretarias. Tem projetos aprovados desde 2022 e 2023 que ainda não aconteceram e talvez não aconteçam. Conclusão: participamos, criamos, sugerimos e o poder público realiza se achar que é possível (até aí ok), se tiver orçamento, se tiver perna para fazer. Então me parece um pouco como daquelas iniciativas que acontecem em nosso país que fingem que são, mas ficam pela metade.

Agora andei pensando em encaminhar uma pauta única de todas as regiões da cidade sobre educação dentro da causa animal que foi um dos pilares de fragilidade social que veio à tona com a enchente de Porto Alegre. Nem sei se isso é possível ou se os grupos e associações abririam mão de projetos da sua região para algo assim. Que parte da verba do Orçamento Participativo seja aplicado em um programa em escolas do município que conscientize alunos sobre maus-tratos, necessidade de cuidados com a saúde e o bem-estar animal, e que faça mutirões de castração e vacinação na periferia. Com certeza já devem ter algumas iniciativas nessa linha, mas não sei se de forma contínua. Agora tenho que descobrir como encaminhar isso. Talvez tenha meu diploma de delegada cassado. Acho que vou ter que participar de mais reuniões para entender. Não tem outro jeito.

Por Liège Alves, jornalista, terapeuta floral e mestre em rakiram

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