Na cama, no macio do colchão, no fofo da coberta, rolava-se preguiçosamente… até que sentiu que se esvaziara, que perdera, agora, o verso e a trova. Exauriu-se de poesia e de significado. Aquela pouca que ainda morava-o, parasita, saiu às pressas, a dizer: “tardo, mas volto”. Era o mesmo que: “não volto nunca mais”. Não sobrara nada, tudo havia sido levado. Escrever é sobre isso, constatara, dando à luz uma nova relação do mundo. É assim: lapsos raros e esparsos, nos quais são unidos criatividade e arranjo de palavras. Em outros termos, este evento é mais improvável que um eclipse total do sol.
Abraçou, então, o travesseiro. Os olhos fechados. Ou estavam abertos, encarando a bola de luz branca da lâmpada que o fazia dispersar-se no fundo de si, incapaz de dizer, se perguntado a respeito, o que era pensamento, o que era visível e o que no entorno apenas era? Suspirou. Ele aceitara a decisão da Inspiração, que, esta, optara por ir-se.
Diante daquela bruta, inesperada situação de desemprego — pois era poeta, vivia de palavras —, parou por um momento para se sentir e consolar. Percebeu o dedo que encostava na liga do braço com o antebraço. Dedo, braço e antebraço juntavam-se em um só, conectados: notara isso. Quis parar por ali: em si, sempre em si, como havia de ser. E se adentrassem o quarto sem bater à porta, pegando-o naquele momento particular, diria indiferentemente: “estou indo ao meu encontro aqui”. Tocou-se e desfrutou-se, permitindo-se lançar-se intensamente ao autoabraço.
Tamanha fora sua força e mole vitalidade, preguiçosa vitalidade desvalida, que concebera, horas depois, o seu primeiro filho. Sim. Havia nascido, e era um menino, e tinha nome, e se chamava Poeta-sem-emprego.
Mas era dia de eclipse, e o próximo seria dali a noventa e seis anos.
Por Vinícius Alexandre Rocha Fernandes da Silva
Achei teu texto muito sensível, tudo mundo já deve ter sentido a Inspiração fugir pelas mãos, mas nunca vi alguém representar essa sensação tão bem. Um dia um amigo me disse ser impossível transmitir um pensamento com total fidelidade para as outras pessoas, e depois de pensar um pouco concordei com ele, e hoje acho que talvez a arte sirva justamente pra isso, usar o abstrato pra exprimir a confusa realidade dos nossos pensamentos e sinto que tua crônica faz isso com maestria.
E com isso tenho que dizer que lendo teu texto me senti lendo meus próprios pensamentos. Obrigado pelas pelas palavras e saiba que para mim elas foram como um eclipse total do Sol.
Excelente texto! Muito profundo, aquele te faz viajar na imensidão das palavras.
Texto lindo! Aqueles que a gente lê e fica um tempinho digerindo e refletindo sobre. Faz-me lembrar muito aquela coisa de usar um ponto fraco a seu favor, nesse caso, a “fuga” da Inspiração; genial, sabe. Fora toda a belíssima conexão do material, do concreto com o abstrato, e construindo assim uma linda imagem de uma busca de aprimoramento ao autoconhecimento. Repito, texto lindo, obrigado por ele!