Xuxa


Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio

Uma das memórias mais antigas que consigo acessar é de quando, possivelmente em 1994, um temporal passou por Porto Alegre e inundou minha casa. Eu tinha 4 ou 5 anos. 

Lembro da água em todos os cômodos. Da falta de energia elétrica à noite. De ver com minha irmã mais velha os desenhos na parede, projetados pelas mãos do meu pai, em frente à luz da vela, para nos distrair. E recordo de observar na estante a capa do disco “Xuxa“, álbum homônimo da rainha dos baixinhos, de 1993. Do hit Ilariê, que eu adorava ouvir e dançar.

Um ou dois anos depois, mudamos para uma casa maior, a poucas quadras dali. Lembro de subir no caminhão, acompanhando os móveis de uma casa para outra. Na casa nova, tenho na memória a imagem da minha mãe retirando brinquedos de caixas. Entre eles, a barbie Xuxa da minha irmã, que eu era proibido de tocar, tanto pela possessividade da dona dela quanto pelo pensamento dos meus pais de acharem aquilo um “brinquedo de menina”. 

Pensar na Xuxa, nesta semana do seu aniversário de 60 anos, pra mim que fui criança nos anos 1990, é isso: um reencontro com o baixinho que fui e que ainda vive adormecido nas recordações.

Nessa casa nova, da mudança, morei até os meus 22 anos. Lembro da chegada do novo rádio, que aposentou o antigo de LP. Agora, tínhamos um aparelho com entrada para CD, pra ouvir “sexto sentido“, álbum de 1994. Minhas músicas preferidas eram “jogo de rima” e “É de chocolate“. 

Mas, revisitando as memórias desse CD da Xuxa, eu pensava: “e aquela música triste, a última do CD?”. E isso ficou martelando na minha cabeça. Fui conferir no Spotify

Primeira constatação: não é a última música do álbum, e sim a penúltima. Segunda constatação: é a música “prazer, eu existo“. Uma canção que fala de preconceito. 

Me pergunto se a tua indiferença é natural

Me pergunto em que consiste ser normal

Me pergunto qual o referencial

Porque todo mundo tem que ser igual

Tem gente preconceituosa e arrogante

E eu me preocupo com seu modo de pensar

Como se Deus fosse algum ser inconsequente

Que faz pessoas diferentes só pra olhar

Teorizei se a música ficou no meu inconsciente pela mensagem que, para um menino gay nos 90 e para todos que já passaram por algum tipo de discriminação e processo de autoaceitação, tem um significado bem autoexplicativo. Ou se foi só coincidência mesmo, coisa da minha imaginação.

Independente disso, fiquei feliz. Como se  tivesse aberto um portal no tempo, para o baixinho do futuro encontrar o baixinho do passado e dizer: “presta atenção na letra dessa música. E fica tranquilo, vai dar tudo certo. Tu és uma criança incrível!”.

Xuxa, caso um dia esse texto chegue a ti, obrigado por ter gravado essa música. E por ter deixado alegres as minhas memórias de infância. Parabéns pelo aniversário. O nome desse baixinho aqui é Diogo. Muito prazer, eu existo.

Nesta semana, no podcast Bá que papo, fizemos uma festa com bolo, guaraná e muito doce pra vocês, para celebrar os 60 anos da rainha dos baixinhos e relembrar a carreira e momentos marcantes da vida da Xuxa.

Ouça agora o episódio no Spotify clicando aqui. Para ler outros textos da coluna Bá experiência, acesse este link.

Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio

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