A ideia mágica de que não daria em nada é a marca registrada dos crimes praticados durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Essa é a explicação para a abundância de provas encontradas pelos agentes da Polícia Federal (PF) na investigação do contrabando de joias no avião presidencial para vendê-las nos Estados Unidos. Uma leitura atenta das 105 páginas da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a Operação Lucas 12:2, da PF, mostra com uma riqueza de detalhes como as joias doadas por governos estrangeiros ao ex-presidente foram vendidas a comerciantes em cidades americanas pelo ex-ajudante de ordens da Presidência da República tenente-coronel Mauro Cid e o seu pai, o general da reserva Mauro César Loureno Cid – há matérias na internet. Pela lei, essas joias pertencem à União e as investigações mostraram que os envolvidos sabiam dessa realidade. Outro crime ruidoso que tem a mesma marca foram os atos terroristas de 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicalizados invadiram e destruíram tudo que encontraram pela frente no Congresso, no Palácio do Planalto e no STF, em Brasília (DF).
Graças às provas deixadas pelos envolvidos, nos dois casos a investigação da PF conseguiu esmiuçar como os crimes foram cometidos, os nomes dos envolvidos, os financiadores e os articuladores. Por que os envolvidos deixaram essa abundância de provas? Porque acreditavam que Bolsonaro permaneceria na presidência do país por tempo indeterminado, fosse pelo voto ou na marra, dando um golpe de estado. Portanto, na mente dos bolsonarista militantes, o que eles estavam fazendo era um ato político que julgavam legítimo e deixaram as pistas para que todos soubessem quem o fez. O mesmo comportamento eles tiveram no caso das joias. Mas são dois crimes diferentes. Os atos terroristas de 8 de janeiro foram um atentado contra a democracia. O furto das joias é um crime comum, praticado por uma quadrilha. É isso que as 105 páginas da decisão do ministro deixam bem claro. A investigação dos agentes federais bateu na tecla da formação de quadrilha. Mais um detalhe: o nome da Operação Lucas 12:2 refere-se a um versículo da Bíblia que diz o seguinte: “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido.” O uso de um versículo bíblico pelos federais é um recado para o ex-presidente de que eles encontram um caminho para chegar até ele. Durante o seu governo, sempre que teve oportunidade Bolsonaro recitou o versículo 32 do capítulo 8 do Evangelho de João, que diz o seguinte: “E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará”. Trocando em miúdos: colocar a autoria dos atos terroristas de 8 de janeiro no colo do ex-presidente é muito difícil, porque há uma boa quantidade de lideranças políticas envolvidas que o protegem. Já o caso das joias é outra história. É um crime comum de furto que envolveu a formação de uma quadrilha para ser praticado.
O ex-presidente, a ex-primeira-dama Michelle, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o pai dele, general da reserva Mauro César, podem espernear à vontade. Mas a bronca das joias está batendo na porta deles. E se esse rolo cair no colo de Bolsonaro vai aumentar o fluxo da hemorragia do seu prestígio político, que se intensificou quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o declarou inelegível por oito anos por ter mentido para 75 embaixadores estrangeiros que seria sacaneado nas eleições de 2022. Valdemar Costa Neto, presidente do partido do ex-presidente, apostou alto que o prestígio político de Bolsonaro irá eleger prefeitos de várias capitais e outras cidades importantes do país nas eleições municipais do próximo ano. A pergunta que fica é a seguinte: qual a influência que o rolo das joias terá no prestígio do ex-presidente no pleito municipal? Temos que esperar para ver. Mas uma coisa é certa. A imprensa precisa explicar melhor aos leitores a diferença entre os crimes que estão sendo atribuídos a Bolsonaro. Um dos motivos para essa explicação não estar sendo feita é que foi varrido das redações o chamado repórter policial, um jornalista que fazia a cobertura de assuntos de segurança pública. Esse personagem, além de conhecer o linguajar jurídico, sabia como as coisas aconteciam dentro das delegacias. Lembro-me que sempre que tinha dificuldade para entender uma situação que envolvia política e crimes procurava os caras da editoria de polícia para clarear as ideias e saber exatamente o valor das informações que tinha na mão.
Também há um fato que precisamos lembrar ao nosso leitor. Um dos pilares do prestígio político do ex-presidente são os seus eleitores das igrejas neopentecostais. Não é por outro motivo que Bolsonaro sempre recitava os versículos da Bíblia nos seus pronunciamentos públicos. Muitos pastores usam os cultos para fazer pregação bolsonarista. Como estão explicando para os seus fiéis a história das joias? Durante todo o governo Bolsonaro era comum ouvir de colegas repórteres que os escândalos políticos não colavam na imagem do ex-presidente. Cito o caso do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19 (CPI da Covid), que colocou as digitais do governo federal nas 700 mil mortes de brasileiros causadas pelo vírus. Um dos motivos para nada colar em Bolsonaro era a defesa do seu governo nos cultos religiosos. Arrematando a nossa conversa. Em 30 de junho escrevi o post Bolsonaro saiu das páginas da história política do Brasil para a policial. As próximas descobertas dos agentes da PF no caso das joias dirão se o caminho que o ex-presidente percorreu não tem volta.
Por Carlos Wagner, jornalista