Antes de eu e o Rodrigo, meu marido, irmos a Roma, minha sogra disse que esta viagem ia nos fazer presenciar a questão dos imigrantes e refugiados na Europa. Ele me contou sobre o comentário da mãe dele após eu pronunciar, assim que chegamos: “ouço várias línguas, menos italiano. O que está acontecendo?”
Minha primeira viagem ao velho continente foi Barcelona e Lisboa, em janeiro de 2020 (dois meses depois, foi decretada a pandemia do coronavírus. Nos safamos por pouco.) A capital da Catalunha, naquele ano, já tinha um turismo massivo e muitos imigrantes. Lisboa também. No entanto, nada próximo ao que presenciei aqui.
Estamos em um imóvel alugado no Airbnb, perto da praça Mirti. Uma região residencial, de poucos turistas e repleta de imigrantes. A duas quadras do nosso endereço tem dois mercadinhos de famílias paquistanesas. Do outro lado da rua está o bar/restaurante tradicional italiano onde, outro dia, conhecemos um argentino que mora em um bairro perto.
Sempre que passamos pelo metrô o dividimos com africanos, indianos, chineses e por aí vai. Conforme nos aproximamos da área central, somam-se os turistas: britânicos, alemães, franceses, brasileiros, norte-americanos, etc. Talvez por isso eu demorei alguns dias pra entender o que significa estar em uma cidade como Roma nos dias de hoje. É, na verdade, como estar em uma cidade que pertence ao mundo todo. Ainda assim, tem suas particularidades.
Em Roma você senta em qualquer restaurante tradicional — do metido à besta ao mais simples, do que está em frente a um ponto turístico ao mais afastado — e terá a sensação de comer a melhor massa do mundo e de tomar o aperol spritz mais gosotoso do universo. Você entra na primeira gelateria que estiver a sua frente e prova o sorvete mais delicioso da sua vida. Você se perde caminhando e dá de cara com uma construção imponente, um achado arqueológico, um pedaço da história do mundo ocidental. Você reflete sobre o berço do cristianismo ao mesmo tempo que passa por um templo dedicado a Hércules.
Mas a questão dos imigrantes, tal como a sogra profetizou, martelou na minha mente. Em setembro de 2023, a imprensa repercutiu as falas da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, na sua passagem por Nova Iorque para a Assembleia-Geral da ONU. “Não permitirei que a Itália se torne o campo de refugiados da Europa.” Essa declaração ocorreu uma semana após quase 10 mil pessoas terem chegado ao país ilegmente, pela ilha de Lampedusa, no sul.
Giorgia Meloni é uma figura política da direita radical cujo partido, segundo esta reportagem da BBC News Brasil, tem raízes no fascismo e utiliza o lema que popularizou Mussolini: “Deus, pátria e família” (que ficou bem conhecido no Brasil também).
Ontem, no metrô, uma senhora italiana estava sentada e, à sua frente, havia dois africanos, um indiano e outra mulher italiana. A que estava sentada cutucou a que estava em pé e fez um sinal, demonstrando que desceria na próxima estação, cedendo seu lugar. O trem parou. Uma levantou, a outra sentou. Elas se olharam, sorriram uma para a outra e seguiram a vida.
Pode ser uma interpretação equivocada, mas observei uma cumplicidade entre as duas desconhecidas que tinham em comum o fato de serem daqui. Hoje andei de metrô de novo. Quando lembrei dessa cena, estava sentado e levantei, mesmo havendo ainda poucos assentos disponíveis.
Um sopro de esperança quanto ao futuro da relação entre italianos e forasteiros foi Andrea, que conhecemos em uma festa. Ao nos ouvir conversando, a siciliana perguntou se falávamos português. Dissemos que éramos brasileiros e ela nos contou que estuda a nossa língua na faculdade de idiomas estrangeiros. Nos revelou adorar as cantoras Ludmilla e Gloria Groove — sua música preferida desta última é “bonekinha” — e que tem muita vontade de conhecer o Brasil. Adoramos conhecê-la. Roma e Andrea deixarão saudades.
A moeda de um euro foi jogada na Fontana di Trevi, então, acredito, um dia retornarei. Quando cheguei a Roma fiquei na dúvida sobre querer um dia voltar ou não. Hoje eu deixo essa cidade com apenas uma palavra no coração: arrivederci!
Nesta semana, no podcast Bá que papo diretamente de Roma, conversamos com o Gustavo e o Lucas, do Rolê in Roma, pra conhecer mais sobre a história dos dois brasileiros que vivem há mais de sete anos na cidade.
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