Carlos Berta - Karen Berta

Lá vão mais de 30 anos da nossa amizade. Chegamos naquela fase em que boa parte dos nossos afetos são balzaquianos ou até mais que isso.  

Aposto que muitos de vocês que me lêem exatamente nesse momento único que vivemos, sabem o valor que tem uma amizade verdadeira de três décadas. Não são mais sinceras ou mais importantes que as recentes, mas já vêm com os recheios doces e amargos da vida e do tempo. 

A Karen Berta, minha amiga  também chamada de Kaya, é uma dessas pessoas que tem cadeira cativa, plantada e perpétua dentro do meu agitado e eclético coração. Acho que já contei isso para ela e repetirei aqui. 

Houve uma noite em que ficamos mais próximas (para sempre) e ela ainda é nítida em mim. Era uma alta madrugada no final dos anos 80. Caminhávamos pela Avenida Independência e desconfio que acabamos comendo sopa de capeletti no Acabit (quem lembra?). Tinham outras pessoas. Só lembro dela. 

Eu contava alguma história comprida. E ela estava ali, presente. Foi a inteireza daquela presença que me marcou. Assim como a nossa amizade, até os dias de hoje. Esse é um ponto forte da personalidade da minha amiga e só agora, mais madura, desenvolvi a capacidade de admirar. Ela não espera nada em troca, mas se chateia um pouco quando não se sente retribuída na atenção. Aí ela resolve de outra forma bem saudável. Diz o que incomodou, desmancha o bico, passa o dengo e logo, já está de novo, atenta e ativa do alto da sua simples presença na vida de quem a cerca.

Por isso, que tanto tempo depois, mesmo que eu não faça a menor ideia do tema da história mirabolante que eu contava para ela naquele fim de noite — eu ainda sinto o brilho do seu olhar concentrado em cada um dos meus gestos e pensamentos daquela madrugada. 

E olha que não sou de lembrar a roupa que usei ontem, nem a placa do carro que tenho há 10 anos e tampouco do final de um filme maravilhoso que eu vi mil vezes. Mas situações e pessoas que passaram ou que estão ainda em nossas vidas com presença real não abandonam nossas melhores memórias.

Só o tempo nos ensina (e, às vezes, nem ele) a importância que tem de fato  ser uma presença luminosa. Em atitudes e na maneira com que escolhemos nos relacionar com as pessoas e o planeta. Toda essa introdução é só para te dizer, minha amiga amada, que durante quase dois meses, eu briguei ansiosa (que coisa, nem sou ansiosa…), debruçada e paralisada diante desse amontoado de palavras que finalmente saem agora de mim.

Porque o meu maior desejo ao escrever essa crônica é o de me fazer tão presente, inteira e preciosa — neste momento difícil — como você sempre foi para mim por quase toda a nossa vida. Quando eu mais precisei. Você sempre esteve lá.

Além de diminuir um pouco a dor que você vem sentindo nos últimos meses. Especialmente desde o final de semana do Dia dos Pais, no exato dia em que nasceram as suas gêmeas, e que você perdeu fisicamente a pessoa que talvez mais tenha te ensinado, pelo próprio exemplo, a potência de ser presente e vibrante na própria existência. Também sei o quanto doeu a ti e aos teus irmãos não poder homenageá-lo do jeito que ele merecia e nem abraçar nenhuma das poucas pessoas que estiveram na cerimônia dividindo essa tristeza com vocês. 

Quem o conheceu sabe que o Carlos Berta, o pai da Kaya, era aquela figura casa cheia. Dono de um prazer farto por desfrutar da vida e que queria aproveitar cada segundo, com todos os riscos que ela traz e a intensidade pulsante dos jovens. 

Ele gostava de trabalhar, namorar, se divertir, ouvir música, de estar com os amigos. Era só faceirice perto dos quatro filhos e dos netos e nunca vi ninguém tão contente como ele no dia em que a Cau casou, a sua primogênita. Cercado de toda a família e dos amigos. Olha que não casei, mas se tem pessoa que foi à casamento e se emocionou de perto com semblantes de pais e de noivos, essa pessoa sou eu.

O pai da Kaya foi uma das 140 mil vítimas da Covid-19 no Brasil. E eu inicio o fim desse texto com uma frase do meu mais recente jornalista predileto, o André Trigueiro: “Eleve a sua capacidade de se encantar, de se enternecer, de achar graça das coisas simples da vida”. Quando eu perguntei há alguns dias como a Kaya estava pelo telefone ela me respondeu assim: “Ainda tem um rio que tem que transbordar dentro de mim, e de vez em quando ele transborda.”

Te desejo minha amiga, que como o teu pai fez durante toda a vida até cansar dela, que tu sigas transbordando em mim e em todos os abençoados que desfrutam da tua SIMPLES PRESENÇA. 

Te amo! Obrigada por simplesmente SER. 

Seguimos!

Por Mariana Bertolucci

CategoriasBá Gente
  1. Karen says:

    Dizer o que lendo esse texto tão lindo, que tu fez para o meu pai e para mim? Que transbordo de amor por ti também que as minha lágrimas ficam doce ao dividi-las contigo, te amo amiga! Muito obrigado por dar dignidade ao pai!

    1. Karine M Legendre says:

      Que lindo ❤️ Que pessoas especiais vcs duas são. Que difícil viver tudo isso… mas com o amor transbordando em cada palavra e gesto dos amigos, acredito que tudo fique mais doce, como própria Kaya disse… 🙏 A amizade é o bem mais precioso dessa vida.

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