Você se denomina escritor? Ou poeta? Eu não. Você quer publicar um livro? Eu, não mais. Quem dita as regras do mercado literário ou da qualidade de um texto? A mídia? O petit comitê dos literatos e das academias? Ou talvez o arriscado meio dos saraus? Jogo estas perguntas à chuva que molha nossos cabelos cheios de ideias. As ideias moram na cabeça ou estão fora do lugar? Ah, talvez nos bueiros transbordantes de palavras sujas e gastas como um esgoto pútrido e mal cheiroso.

Quem aqui tem ideia do que é ser um escritor, ou poeta? É só juntar palavras? O sábio Octavio Paz, em seu “O arco e a lira”, tentou arduamente definir o que significa a poesia. Disse que ela revela um mundo e cria outro. É pão dos eleitos, alimento maldito. Isola; une. É um convite à viagem, regresso à terra Natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Filha do acaso, fruto do cálculo. Estas são definições pinçadas de uma série de afirmativas do autor mexicano, mas que dão a ideia do universo sem fim que o fazer poético abriga.

Drummond em sua Procura da poesia, ensina: “Não faças versos sobre acontecimentos”/

Não há criação nem morte perante a poesia. / Diante dela, a vida é um sol estático, / não aquece nem ilumina. / As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.

Não faças poesia com o corpo, / esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica. (…) Não cantes tua cidade, deixa-a em paz. / O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas. / Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma. / O canto não é a natureza / nem os homens em sociedade. / Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam. / A poesia (não tires poesia das coisas) / elide sujeito e objeto.”

O mineiro dá as dicas sobre o que não é matéria de poesia para, logo a seguir, dar a receita: 

“Penetra surdamente no reino das palavras. / Lá estão os poemas que esperam ser escritos./

Estão paralisados, mas não há desespero, / há calma e frescura na superfície intata./ Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário./ Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. (…) Chega mais perto e contempla as palavras. / Cada uma / tem mil faces secretas sob a face neutra / e te pergunta, sem interesse pela resposta, / pobre ou terrível que lhe deres: / Trouxeste a chave? / Repara: ermas de melodia e conceito / elas se refugiaram na noite, as palavras. / Ainda úmidas e impregnadas de sono, / rolam num rio difícil e se transformam em desprezo. [A rosa do povo].

É, as palavras. A pedra de Cabral. Ou sua faca/linguagem: Quando aquele que os sofre/trabalha com palavras,/são úteis o relógio,/a bala e, mais, a faca./ Os homens que em geral / lidam nessa oficina / têm no almoxarifado / só palavras extintas: /umas que se asfixiam/por debaixo do pó/ outras despercebidas / em meio a grandes nós; / palavras que perderam / no uso todo o metal / e a areia que detém / a atenção que lê mal. / Pois somente essa faca / dará a tal operário / olhos mais frescos para / o seu vocabulário / e somente essa faca / e o exemplo de seu dente / lhe ensinará a obter / de um material doente / o que em todas as facas /é a melhor qualidade:/a agudeza feroz ,/certa eletricidade,//mais a violência limpa/que elas têm, tão exatas,/o gosto do deserto,/o estilo das facas.

Se você não está disposto a aprender com os mestres as lições de poesia, abandone a labuta. Eu cansei de lê-los e reescrevê-los. Falhei, fracassei. E agora me dou ao direito ao silêncio. Não, não tenho vocação para ensinar o que aprendi nos alfarrábios que dormem nas bibliotecas e que vez ou outra despertei de seu sono com minha curiosidade imprudente. Também perdi a vocação para a escrita. Cansei. E ponto final. Não, não sou escritora. Nem publico mais livros, nem os meus, nem os de mais ninguém. A literatura contemporânea está à beira da falência e eu, particularmente, paguei minhas contas. Saio de cena antes que ela vá por um caminho sem volta. Mas, do fundo dos olhos, da minha retina ameaçada pela diabetes furiosa, espero por um verdadeiro poeta que dê conta do nosso tempo, tão maldito.

Por Susana Vernieri, jornalista, escritora e poeta

Foto: Pixabay

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