tragedias-anunciadas

Foto: Heloisa Medeiros

Tragédias coletivas abalam. É a morte abrupta e crua diante de nós. Mesmo distantes, refletimos. Quando tragédias são consequências da incompetência, da negligência, da ganância, da loucura ou da maldade humana nos assustam ainda mais. Foram assim os incêndios da Boate Kiss, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, o desastre aéreo do Chapecoense, ou com o edifício do Largo Paissandu, que desmoronou no centro de São Paulo.

As guerras e conflitos devastam as nações e dizimam famílias há séculos, acontecendo pelas mesmas disputas de poder — interesses políticos, territoriais e religiosos, quase sempre com uma atrativa motivação econômica por trás. O holocausto foi o maior genocídio do século XX, dizimando seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, de 1941 a 1945. Isso foi uma tragédia humana, social, racial e política que marcou para sempre judeus e alemães.

Diferentemente do Brasil, que desde o final do século XIX aboliu a escravatura e passou a tratar negros e brancos com uma hipócrita “igualdade”, até o ano de 1955 (logo ali, né?!), a segregação racial nos Estados Unidos era vergonhosamente constitucionalizada e chancelada pelas leis. Uma senhora negra chamada Rosa Parks fez história no racista estado do Alabama. Ela ocupava um assento reservado para negros quando o ônibus encheu. O motorista exigiu que os quatro negros da primeira fileira da parte para “pessoas de cor” se levantassem, mas ela se recusou, sendo presa e enquadrada por desobediência civil da cidade de Montgomery. Rosa Parks virou símbolo internacional da luta contra a segregação. Porém, mesmo sem qualquer amparo legal desde essa época, a segregação de fato nunca acabou, seguindo até hoje nos Estados Unidos. Em menor escala que no Brasil, diferenças na qualidade de vida, na educação e no acesso a bons empregos e na saúde ainda são uma triste realidade. Isso é uma tragédia humana complexa de cunho social, que afeta a vida dos negros do mundo todo.

Em 2011, um tsunami deixou quase 20 mil mortos e desaparecidos no Japão. Morreram 18.434 pessoas no terremoto de 9 graus e no consequente tsunami que devastou o país há 8 anos. As violentas águas abateram a central nuclear de Fukushima, comprometendo os reatores da usina e liberando material radioativo em proporções gigantescas. O tsunami gerou o maior desastre nuclear da história desde Chernobil, matando 3,6 mil pessoas.

O terrorismo de cunho religioso assusta a Europa e os doentes mentais que sofreram bullying ainda apontam suas armas contra escolas e universidades norte-americanas. Sem pedir licença para o sofrimento de ninguém, tudo acontece em aterrorizantes, inesperados e impactantes segundos.

No Brasil, contudo, não é assim. Não temos grandes conflitos territoriais nem religiosos, e as intempéries climáticas não costumam nos castigar com frequência. Nossas tragédias são anunciadas e “planejadas” em longas reuniões entre a máquina pública e os empresários — com direito a cafezinho, água gelada e atas, graças aos impostos que pagamos. Tudo isso entre concessões, licitações, liberações, emendas e remendos apelidados simpaticamente de “jeitinho brasileiro”.

Nossas tragédias são alertadas por profissionais credenciados — biólogos, cientistas, engenheiros, químicos, peritos, pesquisadores, ONGs e até pelos leigos. Desanima constatar que boa parte delas são frutos do nosso próprio egoísmo e descaso — uma responsabilidade tão coletiva como a tragédia. É surreal que tanta gente saiba o que está errado e que suas próprias vidas e reputações estejam em jogo, mas o “sistema” segue impune e imune.

Assim como foi em Mariana, agora derrama-se sobre nós a, metafórica e trágica, lama que destruiu Brumadinho e levou consigo a vida de cerca de 350 pessoas. Isso é uma tragédia humana, social, ética, ambiental, política e econômica. Não tem nada de natural! É um crime desumano difícil de se explicar e de entender — tanto quanto é desumano torcer para que atual presidente não seja bem-sucedido em sua mais recente cirurgia, ou desejar que o ex-presidente, que cumpre pena em Curitiba, não fosse liberado para enterrar um de seus irmãos. Sim, o pessoal (não são só os políticos e os empresários) anda bem desumano para todos os lados por aí.

Millôr Fernandes tinha razão quando dizia que “viver é desenhar sem borracha”. Que nosso próximo desenho tenha menos lama e dor, e mais solidariedade e união. É só disso que precisamos!

Por Mariana Bertolucci

  1. Francisco de Paula says:

    Excelente a crônica da Mariana.
    E lembrar que a grande mídia fica calada quando deveria criticar as guerras e genocídios patrocinados pelos EUA, na Líbia, no Iraque, na Síria, no Iemen, e por aí vai…
    Chuck

    1. RODRIGO says:

      Sim Francisco e a grande mídia também deveria criticar a escravidão a céu aberto do povo Cubano pela família Castro, os assassinatos e crimes contra o povo Venezuelano praticados por Maduro, o banho de sangue na Nicarágua praticados pelo esquerdista Daniel Ortega e falando de história, a grande mídia deveria nos lembrar os maiores Genocídios da história praticados no berço comunista do nosso globo terrestre, CAMBOJA, 1,7 MILHÕES DE MORTOS, LESTE EUROPEU, 2 MILHÕES DE MORTOS, UNIÃO SOVIÉTICA 25 MILHÕES DE MORTOS E A CEREJA DO BOLO, CHINA E TIBET, 70 MILHÕES DE MORTOS, assassinados pelo regime COMUNISTA!!! Estados Unidos é jardim de infância perto da turma aí de cima!! Vamos dar a César o que é de César!!! Abç!!

  2. Margaret M. Bakos says:

    Bonita cronica, Mariana. Com história, pesquisa e, principalmente, interesse pelo que acontece no teu tempo e no passado. Este é o jornalismo sério, comprometido. Vai em frente, querida, há poucos profissionais como tu.

  3. Rodrigo says:

    Olá Mari, seu texto é muito bom, relata fatos históricos trágicos que a única coisa que podemos fazer com eles é aprender que para toda ação existe uma reação! E para que possamos diminuir a possibilidade de novas tragédias acontecerem em nosso país, escolhas bem feitas e organizadas se fazem necessárias! Desde o processo de redemocratização do nosso país, nos foi vendida a ideia de que teríamos uma sociedade mais humana, igualitária, sensível às necessidades mais básicas de nossa nação porém o que se viu foi totalmente o contrário, quem prometeu não cumpriu e quem acreditou, hoje sofre as consequências! A ganância, falta de ética, descaso ambiental, politico e econômico do ex presidente preso em Curitiba, foi a pá de cal no trágico estado que se encontra nosso país! A única correção que faço em seu texto, é que não existe nada de desumano em desejar que um criminoso de enorme proporção, seja impedido de sair da cadeia para ir no enterro de um irmão ao qual ele não desenvolvia nenhum afeto! Finalizando, precisamos de solidariedade, afeto e união a quem contribuiu para um mundo melhor, justo e pacífico! Bj do seu velho amigo RODRIGO CAUDURO

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