“Você era a mais bonita

Das cabrochas desta ala

Você era favorita

Onde eu era mestre sala”

Quem te viu, quem te vê

(Chico Buarque)

          Camila pisou na avenida Sapucaí como se fosse o último dia de sua vida. Era sambista da Mocidade e vestia um ínfimo biquíni vermelho quando foi dada a largada no desfile da escola de Padre Miguel. A bateria, com a paradinha característica e os surdos em tom retumbante, davam a medida excepcional de seu requebrado. Camila sorria, gozava, suava, bailava como uma bailarina clássica num enorme teatro popular ao ar livre. A quente noite de verão do Rio de Janeiro era o cenário especial para seu show nada particular. Era a favorita de todos em seus 23 anos de juventude e beleza.

          Cabral era o mestre de bateria e apitava a orquestra do samba da escola como se comandasse um transatlântico. Era o namorado de Camila e só a perdia de vista durante o desfile, pois tinha que cuidar para que o ritmo não atravessasse. Fora este período, seus olhos só tinham vistas para a morena. Sem quase se verem naquela noite, pareciam comunicar-se surdamente. Camila dançava no meio da avenida para Cabral e Cabral era o capitão da banda para Camila. Eram uma bonita dupla de jovens carnavalescos.

          Quando a bateria entrou no espaço reservado para que a escola passasse por ela, Cabral pôde vislumbrar a namorada desfilar sambando miudinho. Ficou tão siderado com a visão que perdeu a maestria do samba enredo e a escola atravessou. Camila perdeu o sorriso que vinha estampando e a jinga que demonstrava com galhardia. Tropeçou e caiu. O samba acabou ali, a noite virou dia de chuva torrencial e sob um OH! das galerias e dos outros integrantes da Padre Miguel, Camila e Cabral tentaram recuperar o ritmo, mas não conseguiram.

Não só os pontos perdidos na apuração foram contabilizados depois. O romance acabou ali, naquele ínfimo instante em que, tragicamente, Cabral e Camila se dispersaram. A escola não ganhou aquele Carnaval. A dupla se separou. Camila culpou Cabral pelo fracasso na Avenida, pela perda do foco e o que restou foi um gosto amargo de um suor desperdiçado, de um confete perdido na passarela.

Susana Vernieri, jornalista, poeta e escritora

Imagem: Pixabay

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  1. Fátima Regina Gomes Farias says:

    Que coisa! Distraiu-se ao ver tanta beleza.
    Acontece.
    Nosso carnaval é sonho e fantasia apenas na aparência.
    Que luta por trás de tudo isso.

    Belo conto, parabéns!!!

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