Navegar é preciso. Viver não é preciso.
Podemos dar diversos significados à afamada frase presente no poema de Fernando Pessoa. O próprio poeta transformou o espírito desta frase — que era de navegadores antigos — e a trouxe para casar com quem ele era. Da mesma forma, também quero compartilhar de que forma tais palavras ecoam em minha alma hoje.
Quando criança, sempre tive um senso de liberdade apurado. Na casa da minha avó materna, hoje com 80 anos, havia uma peça ao lado da mesa onde ocorriam os almoços e jantares em família. Boas e fartas lembranças tenho de lá. Exceto uma em especial.
Nessa peça ao lado da mesa, em uma espécie de área de serviço, ficava uma parede com inúmeras gaiolas de pássaros. De caturrita a canarinhos e outros que nem sei quais são. Eram muitos.
Desde muito pequeno, quando eu entrava nesse lugar para observá-los, sentia tristeza. Questionava os adultos: “isso é certo? Não devemos abrir as portinhas e deixá-los voar?” As respostas eram sempre as mesmas. “Se deixarmos irem, morrerão. São pássaros de estimação.” E eu retrucava: “Mas eles são felizes assim?” E ouvia: “Eles têm comida e água, não têm? Por que estariam tristes?”
Aos 7 ou 8 anos, minha família comprou um filhote canino da raça dachshund. O famigerado salsichinha/linguicinha. Era fêmea e se chamava Jade. Quem já teve um dach sabe que quando novinhos eles destroem tudo pela frente. E assim foi. Piscina de plástico, mangueira e até uma capota de caminhonete ela destruiu.
Como ficava no quintal, a solução foi mantê-la amarrada junto à casinha durante a noite e até nos momentos do dia em que eu não estava em casa. Porque, logo de manhã, quando eu acordava, a primeira coisa que fazia era soltá-la. E me cortava o coração, à noite, enxergá-la da janela acorrentada sem poder soltá-la. Até hoje detesto ver qualquer animal em condições assim. Por isso não gosto de zoológicos.
Esse senso de liberdade permanece em mim até hoje, porém, manifesta-se de outras formas. Qualquer lugar com regras demasiadamente rígidas, empregos que podam a criatividade e críticas que não permitem me expressar livremente são angustiantes para mim. Prezo tanto pela minha liberdade que empreendi, pois nenhum lugar nos quais trabalhei fez sentido o bastante para “me prender”. E é por isso também que tenho paixão por viajar.
Claro, falo de um lugar de privilégio. Muitos dependem de um trabalho que cerceiam sua liberdade de opinião; e tantos outos não têm condições de fazer uma viagem.
Sendo assim, se alguém me perguntasse agora o que eu desejo para o próximo ano, seria que todos que se sentem aprisionados de alguma forma pudessem se libertar: de pensamentos erráticos, de companhias maldosas, de empregos ingratos e da falta de oportunidade de conhecer outros lugares. Viajar é necessário.
Ou, como dito, navegar é preciso, e acrescentaria “só” viver não é preciso. É preciso viver, navegar e voar.
Ps. 1: Recentemente li a autobiografia da Britney Spears. Uma das primeiras coisas que ela fez quando se livrou da curatela, foi uma viagem que não a permitiram fazer.
Ps. 2.: Não tenha pássaros em gaiolas e não prenda cães em correntes. Minha vó não cria mais animais e minha mãe não amarra mais cachorros.
Ps. 3: Se puder, faça uma viagem em 2024. A que você conseguir.
Esta semana, no podcast Bá que papo, recebemos o empresário do ramo do turismo e jornalista Alexandre Teles. Batemos um papo sobre destinos, tendências, experiências, viagens, perrengues e o que amamos na hora de embarcar para os nossos lugares favoritos.
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Bá experiência por Diogo Zanella/Estúdio Telescópio